São Paulo, sábado, 03 de fevereiro de 2007

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Crítica/cinema/"O Homem Duplo"

Animação não traduz obra de K. Dick

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Em "O Homem Duplo", Richard Linklater recorre pela segunda vez à técnica da "rotoscopia". Nela, o filme é rodado com atores e montado normalmente. Depois, a imagem é levada ao computador e retrabalhada por técnicos de animação, que a cobrem com novos traços e cores.
O resultado ganha ares psicodélicos, como uma "graphic novel" em movimento. Linklater havia usado a técnica em 2002, com "Waking Life". Não deu muito certo. O visual parecia adequado à proposta onírica, mas não encobria os defeitos de um roteiro confuso e perdido. Em "O Homem Duplo", as questões narrativas estão mais trabalhadas e resolvidas. Mas, aí, é a utilização da técnica que parece inadequada ao universo futurista-paranóico de Phillip K. Dick.
Conceitualmente, tudo parece se encaixar: fazer um filme em dupla camada, sobre um homem de vida dupla. A ação se passa em um futuro próximo, em que o mundo é vigiado por câmeras e a "guerra ao terror" foi substituída pela "guerra contra as drogas" (algo, aliás, absolutamente plausível). Nesse cenário, Bob Arctor (Keanu Reeves) é um policial infiltrado que investiga o tráfico de drogas. Ele acaba se viciando na "substância D", que em longo prazo causa danos terríveis ao cérebro humano.
Bob tem sua verdadeira identidade protegida por um traje que encobre todo seu corpo - rosto inclusive-, tornando impossível sua identificação por seus próprios colegas de trabalho. Aos poucos, porém, vamos compreendendo que quase todos ao seu redor, inclusive sua namorada, Donna (Winona Ryder), têm vida dupla.
O estranhamento maior está na palheta de cores escolhida para recriar a imagem do filmes, predominantemente de tons claros e muito semelhante à de "Waking Life". Mas "onírico" não é a mesma coisa que "psicodélico". E a questão da paranóia e da vigilância, proeminentes na trama, ficam visualmente relegadas a um segundo plano. Linklater é um dos cineastas jovens americanos mais interessantes. Trabalha tanto em projetos convencionais (como "Escola de Rock") quanto em outros bem mais pessoais (como "Antes do Pôr-do-Sol").
"Waking Life" e "O Homem Duplo" são como experimentos em uma obra que está sendo construída de forma bastante interessante, e que, um dia, ainda podem resultar em um ótimo filme.


O HOMEM DUPLO   
Produção: EUA, 2006
Direção: Richard Linklater
Com: Keanu Reeves, Winona Ryder
Onde: em cartaz no Espaço Unibanco, Frei Caneca Arteplex e Morumbi


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