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Crítica/cinema/"O Homem Duplo"
Animação não traduz obra de K. Dick
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Em "O Homem Duplo",
Richard Linklater recorre pela segunda vez
à técnica da "rotoscopia". Nela,
o filme é rodado com atores e
montado normalmente. Depois, a imagem é levada ao computador e retrabalhada por técnicos de animação, que a cobrem com novos traços e cores.
O resultado ganha ares psicodélicos, como uma "graphic novel" em movimento.
Linklater havia usado a técnica em 2002, com "Waking Life". Não deu muito certo. O visual parecia adequado à proposta onírica, mas não encobria
os defeitos de um roteiro confuso e perdido. Em "O Homem
Duplo", as questões narrativas
estão mais trabalhadas e resolvidas. Mas, aí, é a utilização da
técnica que parece inadequada
ao universo futurista-paranóico de Phillip K. Dick.
Conceitualmente, tudo parece se encaixar: fazer um filme
em dupla camada, sobre um
homem de vida dupla. A ação se
passa em um futuro próximo,
em que o mundo é vigiado por
câmeras e a "guerra ao terror"
foi substituída pela "guerra
contra as drogas" (algo, aliás,
absolutamente plausível). Nesse cenário, Bob Arctor (Keanu
Reeves) é um policial infiltrado
que investiga o tráfico de drogas. Ele acaba se viciando na
"substância D", que em longo
prazo causa danos terríveis ao
cérebro humano.
Bob tem sua verdadeira identidade protegida por um traje
que encobre todo seu corpo -
rosto inclusive-, tornando impossível sua identificação por
seus próprios colegas de trabalho. Aos poucos, porém, vamos
compreendendo que quase todos ao seu redor, inclusive sua
namorada, Donna (Winona
Ryder), têm vida dupla.
O estranhamento maior está
na palheta de cores escolhida
para recriar a imagem do filmes, predominantemente de
tons claros e muito semelhante
à de "Waking Life". Mas "onírico" não é a mesma coisa que
"psicodélico". E a questão da
paranóia e da vigilância, proeminentes na trama, ficam visualmente relegadas a um segundo plano.
Linklater é um dos cineastas
jovens americanos mais interessantes. Trabalha tanto em
projetos convencionais (como
"Escola de Rock") quanto em
outros bem mais pessoais (como "Antes do Pôr-do-Sol").
"Waking Life" e "O Homem
Duplo" são como experimentos
em uma obra que está sendo
construída de forma bastante
interessante, e que, um dia, ainda podem resultar em um ótimo filme.
O HOMEM DUPLO
Produção: EUA, 2006
Direção: Richard Linklater
Com: Keanu Reeves, Winona Ryder
Onde: em cartaz no Espaço Unibanco, Frei Caneca Arteplex e Morumbi
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