DA REPORTAGEM LOCAL

Na impossibilidade de escrever, seu ofício, uma mulher em crise de identidade se depara com a metáfora literal da insuficiência que também varre o casamento.
Eis um fio possível para "A Entrevista", texto de Samir Yazbek interpretado por Lígia Cortez e Marcelo Lazzaratto, que também é o responsável pela direção.
O espetáculo foi apresentado em setembro e outubro de 2004 no Sesc Santo André e chega para temporada paulistana ao teatro Cultura Inglesa - Pinheiros.
Convidada a dar uma entrevista para uma emissora de televisão, por conta de uma homenagem, a jovem e bem-sucedida escritora se vê obrigada a se equilibrar entre as motivações públicas e pessoais: seu interlocutor no programa é o próprio marido, jornalista que provocou o encontro (vivido por Lazzaratto).
O que seria uma conversa sobre literatura se transforma em acerto de contas. "Mas não é uma mera peça sobre casal", avisa Cortez.
"Mais do que enfocar o "público" e o "privado", o enredo pretende desvendar, através da relação que estabelecem, a natureza das personagens, suas possibilidades e seus limites", afirma Yazbek, autor de peças como "O Fingidor" (1999), "A Terra Prometida" (2002) e "A Máscara do Imperador" (2004).
Está em jogo as dualidades: entrevistador-entrevistado, marido-mulher e homem-mulher. "É uma escritora extremamente angustiada, tocada interiormente. Ela e o marido vão sair da entrevista transformados", diz Cortez.
A atriz busca como parâmetro dessa tensão a histórica entrevista de Clarice Lispector (1920-77) ao jornalista Júlio Lerner, na TV Cultura, em 1977.
Para o diretor Marcelo Lazzaratto, que desde 2000 trabalha com a Cia. Elevador de Teatro Panorâmico, a encenação "se oferece ao público de maneira despojada, confiante na relação texto-ator-espectador".
"Esse espetáculo pede um cenário de um gesto só", disse o cenógrafo Ulisses Cohn ao elenco, sobre o espaço cênico despojado, restrito a uma cadeira ou outra. Os figurinos são de Cássio Brasil.
As entrelinhas da peça também levam à reflexão sobre o fazer artístico: "É um diálogo investigativo, sem concessões, necessário ao nosso tempo, que solicita não apenas o envolvimento dos atores, que se entregam de corpo e alma ao projeto, mas do público, que assistirá a uma delicada encenação", diz Yazbek.
(VS)