São Paulo, sexta-feira, 03 de março de 2006

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Som Livre põe no mercado 25 títulos garimpados pelo titã no arquivo de LPs da gravadora; Tim Maia, Tom Zé, Marcos Valle e "Sítio do Picapau Amarelo" estão entre os lançamentos

O baú de Gavin

André Teixeira/Ag. "O Globo"
Charles Gavin, que descobriu 25 títulos no arquivo de LPs da Som Livre; os discos serão relançados em CD pela gravadora da Globo


LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

O garimpador de raridades Charles Gavin passou 2005 em branco: não pôs nas lojas nenhum CD desengavetado dos arquivos das gravadoras. A aposta das empresas nos DVDs era o motivo, segundo ele.
Já 2006, que começa agora para a indústria fonográfica, já acrescenta 25 novos títulos aos 350 que o baterista dos Titãs redescobriu entre 99 e 2004. O lote é resultado de uma investigação feita por Gavin, 45, no baú de LPs da Som Livre, a gravadora do sistema Globo, também proprietária da RGE.
Predominam na lista os discos de samba-jazz, um dos gêneros preferidos do baterista. Mas ele não radicalizou na idiossincrasia. Na diversidade dos lançamentos cabem o soul sublime de Tim Maia, o primeiro e ousado disco de Alceu Valença, o samba tradicional do conjunto A Voz do Morro, as trilhas infantis dos programas "Vila Sésamo" e "Sítio do Picapau Amarelo" e muitas, muitas experimentações.
Uma a se destacar é "Nave Maria", de Tom Zé. Embora nas últimas duas décadas, após a redescoberta do baiano de Irará liderada pelo "talking head" David Byrne, os antigos discos de Tom Zé têm pululado em CD, essa viagem autoral estava esquecida.
O LP, o único do compositor na RGE, foi produzido seis anos depois do anterior e seis antes do seguinte. Ou seja, caiu em um vácuo imerecido.
Além de se deliciar com "bugue-sambas" como a faixa-título e "Mamar no Mundo", o ouvinte pode perceber em "Su Su Menino Mandú" sons que foram belamente recuperados em "Parabelo", trilha que Tom Zé fez (como José Miguel Wisnik) para o grupo Corpo em 97.
Há experimentações que viraram cult nas mãos de DJs e produtores estrangeiros, mas que só agora ganharam a graça de sair em CD -oficialmente, porque versões piratas circulam por aí.

Programas inesquecíveis
São os casos de "...E Deixa o Relógio Andar!" (1971), incursão do pianista bossa-novista Osmar Milito pelo universo pop que fez a cabeça de muita gente (a versão de "Cantaloup Island", de Herbie Hancock, é conhecida até por quem não conhece Milito), e "Vontade de Rever Você" (1980), o primeiro disco da fase mais rasgadamente pop de Marcos Valle, no qual ele tocava ao lado do grupo americano Chicago e de algumas feras brasileiras.
Mas há, nos relançamentos, um Valle menos pop e mais popular. É o da trilha de "Vila Sésamo". Ele é o compositor de quase todas as músicas, algumas inesquecíveis como "Alegria da Vida" e "Funga-Funga".
Ou melhor, inesquecíveis para quem viveu a época. Para os jovens, explica-se: "Vila Sésamo", embora versão de uma série americana, foi um grande programa infantil da fase pré-Xuxa, no qual se conciliava lazer e inteligência. Exibido entre 72 e 76, tinha Sonia Braga e Armando Bogus à frente do elenco. "Sítio do Picapau Amarelo", que sucedeu a "Vila Sésamo" no posto de melhor programa para crianças da TV, também tem, enfim, sua trilha relançada. A faixa-título foi regravada pelo autor, Gilberto Gil, em seu "Acústico" e voltou a fazer sucesso. Mas há belas canções de Caetano Veloso, Dorival Caymmi, João Bosco/ Aldir Blanc e Ivan Lins/Vítor Martins que muitos ainda não conhecem -além de "Passaredo", de Francis Hime/Chico Buarque.
Dos anos 70 são algumas das melhores pérolas garimpadas por Gavin. "Molhado de Suor" (74), por exemplo, é o primeiro disco solo de Alceu Valença, com sua recriação peculiar dos ritmos e temas nordestinos.
"Vamos pro Mundo" (74) já é um Novos Baianos sem Moraes Moreira, mas ainda feliz na mistura de samba, choro, rock e tudo o mais. Nesse disco está a versão do grupo para "Na Cadência do Samba", de Ataulfo Alves.
"Tim Maia" (77), o único trabalho do cantor na Som Livre, é uma aula de soul -tanto o mais romântico como o mais incendiário- dada por Maia e sua Vitória Régia no auge da forma.
"Línguas de Fogo" (74) é um disco de altos e baixos, mas apresenta aos mais jovens o compositor Sidney Miller, que se matou em 1980, deixando uma obra singular, em que o samba ganhava acréscimos de balada e de rock.
Quem não se lembra de Gerson Conrad pode constatar a qualidade de sua produção no disco com Zezé Motta -então uma atriz e cantora em alta- que gravou após o fim do lendário grupo Secos & Molhados.
Como toda pesquisa arqueológica, há uma ou outra pedra em meio aos diamantes e alguma imprecisão. Os discos de samba-jazz valem pela raridade, mas há produções inferiores, como o Zimbo Trio de 69, um trabalho específico do grupo feito ao lado de sopros.
Já "Os Sambistas" (66), segundo disco do conjunto A Voz do Morro, é tratado como inédito em CD, mas já havia sido lançado em 98. Em sendo um encontro de gênios como Paulinho da Viola, Elton Medeiros e Zé Keti, o resultado não pode deixar de ser ótimo, mas vale ressaltar que o primeiro do grupo é ainda melhor. Pertence ao acervo da pequena Musidisc e já saiu em CD.


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