São Paulo, sábado, 03 de março de 2007

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São Paulo, Japão

Em seu novo romance, "O Sol se Põe em São Paulo", Bernardo Carvalho inspira-se na obra do escritor japonês Junichiro Tanizaki, ecoando seus temas numa trama que também discute o sentido da literatura

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Tudo funciona por contaminação", repetem, algumas vezes, personagens de "O Sol se Põe em São Paulo", novo romance do escritor Bernardo Carvalho, colunista da Folha. A frase alude a um dos estopins do livro: contaminado pela obra de Junichiro Tanizaki (1886-1965), autor de "Voragem" e "Amor Insensato", Carvalho quis colocar no seu texto, incidentalmente, temas recorrentes do autor japonês.
O romance, que chega às livrarias na segunda-feira, e será autografado pelo autor na quarta, às 19h30, no Sesc Avenida Paulista, liga São Paulo ao Japão, entre a Segunda Guerra e os dias de hoje. Setsuko, uma octogenária nipônica, propõe a um brasileiro, bisneto de japoneses, que ambicionava se tornar escritor, redigir um romance. O tema é seu envolvimento com Michiyo, moça de boa família, mas falida, Jokichi, o filho de um industrial, e Masukichi, um atraente e conturbado ator de teatro kyogen.
"Queria ecoar o Tanizaki, mas não fazer um pastiche. Quem o faz é Setsuko, que não é escritora, gostava também de Tanizaki, e narra sua história totalmente contaminada por ele. É um personagem de ficção que faz o pastiche dentro do romance", ressalta Carvalho, citando as referências ao autor.
"No Tanizaki, sempre há um triângulo amoroso, sendo que com duas mulheres e um homem. E eu queria dois homens e uma mulher. Queria que tivesse uma coisa homossexual, como no Tanizaki, sendo que nele é entre mulheres. E no meu romance, entre homens."
A contaminação não parou por aí. Numa viagem de dez dias, em 2004, ao Japão, para "reconhecer" parte do cenário de sua história, Carvalho foi abordado num trem por uma senhora japonesa. O episódio gerou uma seqüência de (des)encontros insólitos que ele descreveu em dezembro daquele ano em sua coluna na Folha. E que ele acabou incorporando à sua história.
"Engraçado foi que o que motivou a mulher a me convidar para um jantar foi eu estar lendo "As Irmãs Makioka", do Tanizaki. Foi como um cartão de visita. Ela também era fascinada pelo livro", diz o autor.

Extraliterário
Carvalho começou a escrever "O Sol se Põe em São Paulo" logo depois de publicar "Mongólia", Prêmio Jabuti de melhor romance em 2004. Naquele romance e no anterior, "Nove Noites", confrontado com uma percepção de que o leitor, em geral, se interessava cada vez mais pelos aspectos extraliterários de uma obra, ele decidiu criar uma "armadilha". Na qual, diz, acabou em parte caindo.
"O que interessa agora é o autor. Se é índio, mulher, negro, gay etc. Literatura só interessa como meio de expressão de uma voz, que representa uma classe, estrato social, origem etc.", diz Carvalho. "Em "Nove Noites", resolvi que ia brincar com isso: uma armadilha, como uma autobiografia, em que as pessoas se interessariam pela dimensão de realidade. Achei que estava criando uma coisa como um labirinto, que também fiz em "Mongólia". De repente, me dei conta de que a coisa é mais potente. E as pessoas leram como realidade."
Carvalho conta que, logo após o lançamento de "Nove Noites", uma professora universitária chegou a apontar que, se o personagem principal do livro era um gay enrustido, isso significava que ele também o era. E que o livro era expressão dele mesmo.
"É óbvio que, se eu trato de temas homossexuais, isto tem respeito intrinsecamente a quem eu sou. Mas há empobrecimento da compreensão da literatura quando você reduz a percepção a quem o artista é. Então resolvi fazer um livro em que seria impossível me reconhecer. Todos são japoneses. E queria que fosse sobre literatura: sobre o que é ser um escritor, o que significa e para que serve escrever um livro. Fiz um negócio que não tem pegada."

Mais Tanizaki
Aqui, Carvalho se viu novamente contaminado por Tanizaki. Ao escrever o livro, ele tinha em mente o fato de que a criação literária, na obra do autor japonês, não era expressão de um sujeito que fazia parte de um grupo, no caso, autores japoneses. Ele criara algo único, sem seguidores ou precursores. "No início do século 20, havia duas correntes no Japão: um naturalismo como Émile Zola e um romantismo meio rococó. E Tanizaki inventou uma corrente que não tinha nada a ver. Fiquei impressionado com o indivíduo que afirma estilo próprio, que não tem necessariamente a ver com o país onde está. Aí criei uma trama totalmente artificial. Quem conta a história é um narrador brasileiro, que não conhece o Japão."


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