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São Paulo, Japão
Em seu novo romance, "O Sol se Põe em São Paulo", Bernardo Carvalho inspira-se na obra do escritor japonês Junichiro Tanizaki, ecoando seus temas numa trama que também discute o sentido da literatura
EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL
"Tudo funciona por contaminação", repetem, algumas vezes, personagens de "O Sol se
Põe em São Paulo", novo romance do escritor Bernardo
Carvalho, colunista da Folha. A
frase alude a um dos estopins
do livro: contaminado pela
obra de Junichiro Tanizaki
(1886-1965), autor de "Voragem" e "Amor Insensato", Carvalho quis colocar no seu texto,
incidentalmente, temas recorrentes do autor japonês.
O romance, que chega às livrarias na segunda-feira, e será
autografado pelo autor na
quarta, às 19h30, no Sesc Avenida Paulista, liga São Paulo ao
Japão, entre a Segunda Guerra
e os dias de hoje. Setsuko, uma
octogenária nipônica, propõe a
um brasileiro, bisneto de japoneses, que ambicionava se tornar escritor, redigir um romance. O tema é seu envolvimento
com Michiyo, moça de boa família, mas falida, Jokichi, o filho de um industrial, e Masukichi, um atraente e conturbado
ator de teatro kyogen.
"Queria ecoar o Tanizaki,
mas não fazer um pastiche.
Quem o faz é Setsuko, que não
é escritora, gostava também de
Tanizaki, e narra sua história
totalmente contaminada por
ele. É um personagem de ficção
que faz o pastiche dentro do romance", ressalta Carvalho, citando as referências ao autor.
"No Tanizaki, sempre há um
triângulo amoroso, sendo que
com duas mulheres e um homem. E eu queria dois homens
e uma mulher. Queria que tivesse uma coisa homossexual,
como no Tanizaki, sendo que
nele é entre mulheres. E no
meu romance, entre homens."
A contaminação não parou
por aí. Numa viagem de dez
dias, em 2004, ao Japão, para
"reconhecer" parte do cenário
de sua história, Carvalho foi
abordado num trem por uma
senhora japonesa. O episódio
gerou uma seqüência de (des)encontros insólitos que ele
descreveu em dezembro daquele ano em sua coluna na Folha. E que ele acabou incorporando à sua história.
"Engraçado foi que o que
motivou a mulher a me convidar para um jantar foi eu estar
lendo "As Irmãs Makioka", do
Tanizaki. Foi como um cartão
de visita. Ela também era fascinada pelo livro", diz o autor.
Extraliterário
Carvalho começou a escrever
"O Sol se Põe em São Paulo" logo depois de publicar "Mongólia", Prêmio Jabuti de melhor
romance em 2004. Naquele romance e no anterior, "Nove
Noites", confrontado com uma
percepção de que o leitor, em
geral, se interessava cada vez
mais pelos aspectos extraliterários de uma obra, ele decidiu
criar uma "armadilha". Na qual,
diz, acabou em parte caindo.
"O que interessa agora é o autor. Se é índio, mulher, negro,
gay etc. Literatura só interessa
como meio de expressão de
uma voz, que representa uma
classe, estrato social, origem
etc.", diz Carvalho. "Em "Nove
Noites", resolvi que ia brincar
com isso: uma armadilha, como
uma autobiografia, em que as
pessoas se interessariam pela
dimensão de realidade. Achei
que estava criando uma coisa
como um labirinto, que também fiz em "Mongólia". De repente, me dei conta de que a
coisa é mais potente. E as pessoas leram como realidade."
Carvalho conta que, logo
após o lançamento de "Nove
Noites", uma professora universitária chegou a apontar
que, se o personagem principal
do livro era um gay enrustido,
isso significava que ele também
o era. E que o livro era expressão dele mesmo.
"É óbvio que, se eu trato de
temas homossexuais, isto tem
respeito intrinsecamente a
quem eu sou. Mas há empobrecimento da compreensão da literatura quando você reduz a
percepção a quem o artista é.
Então resolvi fazer um livro em
que seria impossível me reconhecer. Todos são japoneses. E
queria que fosse sobre literatura: sobre o que é ser um escritor, o que significa e para que
serve escrever um livro. Fiz um
negócio que não tem pegada."
Mais Tanizaki
Aqui, Carvalho se viu novamente contaminado por Tanizaki. Ao escrever o livro, ele tinha em mente o fato de que a
criação literária, na obra do autor japonês, não era expressão
de um sujeito que fazia parte de
um grupo, no caso, autores japoneses. Ele criara algo único,
sem seguidores ou precursores.
"No início do século 20, havia
duas correntes no Japão: um
naturalismo como Émile Zola e
um romantismo meio rococó. E
Tanizaki inventou uma corrente que não tinha nada a ver. Fiquei impressionado com o indivíduo que afirma estilo próprio,
que não tem necessariamente a
ver com o país onde está. Aí
criei uma trama totalmente artificial. Quem conta a história é
um narrador brasileiro, que
não conhece o Japão."
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