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Crítica/romance
O'Nan utiliza velho realismo psicológico e tem bom resultado
MICHEL LAUB
ESPECIAL PARA A FOLHA
Não é muito difícil perceber quando um romance foi concebido
para virar best-seller.
Há elementos que servem
como pista: a prosa excessivamente transparente, pequenos
"ganchos" para manter o interesse no próximo capítulo, o didatismo que dá um caráter utilitário à leitura (como funciona
um tribunal, um aeroporto, o
mercado de ações), uma estrutura adaptável para o cinema
(narrativa cena a cena, descrições detalhadas, profusão de
diálogos).
E, no entanto, nem todos os
livros escritos assim prescindem de uma expressão individual, uma visão de mundo que
faz mais do que confirmar as
certezas prévias do leitor.
Exemplo é o recém-lançado
"Queria que Você Estivesse
Aqui", de Stewart O'Nan.
De certa maneira, o triunfo
deste ex-engenheiro nascido
em 1961, em Pittsburgh, Estados Unidos, é justamente a coragem de tentar unir conceitos
em geral situados em campos
opostos: arte e entretenimento,
verdade e inteligibilidade, como se a única maneira de refletir o caos do mundo contemporâneo fosse uma narrativa também caótica, numa espécie de
incômodo estrutural que o leitor purga com abnegação e
amor à causa.
Realismo psicológico
O'Nan faz o contrário: opta
pelo velho realismo psicológico, com suas ironias e sutilezas,
para descrever a última temporada de férias de uma família à
beira do lago Chautauqua.
Ali estão reunidos a viúva
matriarca, sua cunhada, seus filhos e netos. Ao longo de uma
semana, eles vivem experiências banais em ambientes que
ressoam um certo imaginário
do cinema americano: aquelas
pequenas cidades, aqueles pequenos chalés, aquela nostalgia
do "trio de bóias de barco sob a
forma de sereia", das "cervejas
ilegais enquanto os pais recebiam os Lerners e os Wisemans
na varanda".
Só que, mais uma vez, a habilidade do autor em traçar perfis
por meio de um simples gesto,
às vezes por uma palavra não
dita, empurra a narrativa para o
terreno do inesperado. É quando os segredos começam a vir à
tona: um divórcio cheio de ressentimentos, um adolescente
problemático, a competição
entre duas mulheres, uma paixão proibida.
Novamente falando de tradições subvertidas, é como se
O'Nan armasse sua história sob
a forma clássica dos grandes
dramas familiares americanos.
Basta pensar no teatro de Eugene O'Neill e Edward Albee,
por exemplo.
Só que, à diferença desses autores, que conduzem os conflitos rumo a um clímax rumoroso, expondo as entranhas das
relações entre pais, filhos e irmãos como metáforas de uma
sociedade doente, "Queria que
Você Estivesse Aqui" se encerra como um suspiro. Uma discreta e melancólica nota final,
crítica em relação ao seu objeto, sem dúvida, mas com a ternura suficiente para entendê-lo em suas falhas e contradições. Talvez não seja o que o
"establishment" literário deseja ouvir, mas é inegavelmente
uma voz a se considerar.
MICHEL LAUB é autor de "O Segundo Tempo" e
"Longe da Água" (ambos lançados pela Companhia das Letras)
QUERIA QUE VOCÊ ESTIVESSE AQUI
Autor: Stewart O'Nan
Tradução: Cássia Zanon
Editora: Record
Quanto: R$ 54,90 (560 págs.)
Leia o primeiro capítulo
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