São Paulo, segunda-feira, 03 de março de 2008

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Cuidado com o cão

Após perder espaço, mundo cão volta a dar sinais de força na televisão; "pai" dos policialescos, "Aqui Agora" reestréia e redes negam sensacionalismo nos telejornais

Paulo Fehlauer/Folha Imagem
Luis Bacci, Christina Rocha e Herberth de Souza, apresentadores
do "Aqui Agora"


LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Título da capa da Ilustrada de 25 de julho de 2004: "Mundo cão mia na TV". Os telejornais policialescos da época -"Cidade Alerta" (Record), "Brasil Urgente" (Band) e "Repórter Cidadão" (Rede TV!)- perdiam espaço. O da Band teve duração cortada, e os outros dois, meses depois, acabaram.
Nem quatro anos se passaram, e esta capa vem para dizer que o mundo cão, após miar, pode voltar a latir.
Hoje, às 18h, o SBT estréia o novo "Aqui Agora". A primeira versão do telejornal, veiculada entre 1991 e 1997, é considerado o "pai" da safra de policialescos que invadiram a TV entre o fim dos anos 90 e a citada crise de 2004. E não é só.
A Record, após anunciar o fim do "Cidade Alerta" e uma suposta nova era de "jornalismo de qualidade", lançou em dezembro o "Balanço Geral". Trata-se de cópia do precursor, sob comando de Geraldo Luis, que berra como José Luiz Datena. O nome se deve ao fato de a câmera do estúdio por vezes balançar freneticamente.
Já o "Brasil Urgente", apresentado por Datena na Band, apesar de ter tido seu tempo reduzido em 2004, persiste até hoje no ar, com seis pontos de média, o maior ibope do canal.
A então agonia dos policialescos se relacionava à fuga de anunciantes, preocupados em se vincular a esses programas. O mercado publicitário era pressionado pela campanha "Quem Financia a Baixaria É contra a Cidadania", do Congresso, que passou a divulgar rankings dos "piores" da TV e ameaçava lançar a lista de empresas que os patrocinavam.
A nova onda de telejornais policiais, contudo, não está ligada a uma mudança de postura do mercado publicitário, na opinião de Arlindo Figueira, professor e pesquisador de propaganda e mídia da USP.
"Há cada vez menos anunciantes dispostos a associar seus produtos a programas assim. O clima de insegurança que eles geram não é favorável à mensagens publicitárias."
A tese é de que as TVs sabem que os programas não vão faturar, mas buscam alavancar ibope. "O "Aqui Agora" é uma tentativa desesperada do SBT de voltar à vice-liderança do Ibope, e o "Balanço Geral" faz parte da busca obsessiva de Edir Macedo [Record] por ultrapassar a Globo", avalia o sociólogo Laurindo Lalo Leal, professor da Escola de Comunicações e Artes da USP e um dos criadores da ONG TVer, que surgiu no auge da "baixaria" televisiva dos anos 90 para defender uma programação de "qualidade".
Esses telejornais, apesar de não serem diretamente lucrativos, podem elevar o faturamento da rede, avalia Figueira: "Os policiais costumam ser mais vistos por pessoas de baixa renda, pelas quais o anunciante não se interessa tanto. Mas esses espectadores podem ver um programa posterior do canal, que agregue a classe AB. Isso dá volume de audiência atrativo para a publicidade".
Leal critica o que seria "uma visão puramente mercadológica das redes, que não levam em consideração a ética e se distanciam do jornalismo". "A volta do mundo cão é lamentável e se soma aos programas escabrosos que continuaram no ar em TVs locais. Apesar de a baixaria ser cíclica na TV, esperava que o ciclo estivesse se fechando, em razão de uma sociedade mais crítica com a TV."
Figueira guarda relativo otimismo. "A baixaria na TV vai acabar, mas ainda vai demorar muito. A TV está perdendo audiência na classe alta, que migra para TV paga e internet. Por isso, podem estar querendo voltar a investir pesado nas classes C, D, E. Mas mesmo esses telespectadores são hoje mais escolarizados, conscientes e menos manipuláveis."
Os críticos do mundo cão, porém, não terão com o que se preocupar se Albino Castro, diretor do novo "Aqui Agora", colocar no ar o projeto que anuncia. "Não terá mundo cão. Esse foi um erro que cometemos em algumas ocasiões na primeira versão e que não repetiremos. Também não será telejornal de polícia, e sim completo, com correspondentes em Brasília e no exterior", disse à Folha.
Ele admite que tem como objetivo levar o SBT à vice-liderança. "Se fosse só para ganhar desses jornais [policiais], o Silvio Santos não me chamaria para fazer o "Aqui Agora". Ele colocava no ar o "Chaves"."
A Record nega que o "Balanço Geral" siga essa fórmula. Já Datena acha equivocado o investimento nesses telejornais e confessa "estar cansado".


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