|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Cinema café com leite
Qualidade dos concorrentes ao Oscar de filme estrangeiro evidencia o quanto o Brasil, com "Salve Geral", mais uma vez passou longe de conseguir uma vaga na disputa
Caco Galhardo
|
|
ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL
A língua da festa será o inglês.
Mas certos convidados notáveis estarão ali, justamente,
porque falam um outro idioma.
Nesta edição do Oscar, estão
abrigados sob a categoria "filme em língua estrangeira" alguns dos melhores títulos que o
mundo viu em 2009. Eles não
figuram nas listas organizadas
em ordem de cifrões, mas saíram com troféus de festivais
como Cannes e Berlim.
Goste-se mais ou menos de
cada um deles, é indiscutível a
qualidade dos cinco finalistas
dessa categoria que, em vários
anos, chegou manca à festa. Esta seleção, ao contrário, evidencia a qualidade do cinema feito
em diferentes países. E, no caso
do Brasil, nos leva a uma constatação: são muitos os quilômetros que separam a produção
nacional do Kodak Theatre, em
Los Angeles, onde acontecerá,
no domingo, o Oscar.
"Há uma grande diferença de
estatura entre esses filmes e os
nossos", diz o crítico Carlos Alberto Mattos, integrante da comissão que escolheu "Salve Geral", de Sérgio Rezende, para
tentar uma vaga. Depois de ver
"O Profeta" (França), "A Teta
Assustada" (Peru), "O Segredo
dos Seus Olhos" (Argentina) e
"A Fita Branca (Alemanha) - o
israelense "Ajami" não chegou
ao Brasil - a resposta para a ausência brasileira torna-se, mais
do que óbvia, ululante.
"Isso é reflexo do cinema
brasileiro que, a não ser por
uma ou outra exceção, não tem
relevância internacional", diz
Luiz Gonzaga de Luca, também
integrante da comissão e diretor do Grupo Severiano Ribeiro. "Alguns cineastas tentam
negar a importância do Oscar.
Mas, e Berlim, também não importa? Fazemos um cinema para o mercado nacional e ponto."
Começa aí a diferença entre
os filmes que o Brasil embarca
em voos internacionais e aqueles que, efetivamente, têm condições de competir. "O Profeta"
ganhou nove prêmios César, o
mais importante da França; "O
Segredo dos Seus Olhos" saiu
com troféus do Goya, o prêmio
espanhol; "A Fita Branca" venceu Cannes e "A Teta Assustada", Berlim - para ficar nos
eventos mais estrelados.
Apesar de ser uma festa do cinema hollywoodiano, o Oscar
recebeu, neste ano, 65 inscrições de outros países. "Uma indicação muda a história de uma
produção. Já tínhamos vendido
o filme para 20 países, mas agora temos a garantia de que será
bem lançado", diz Mariela Besuievsky, produtora espanhola
de "O Segredo de Seus Olhos".
Cabe lembrar que, pela estreita porta da Academia, tampouco conseguiram passar concorrentes fortes como "Polícia,
Adjetivo" (Romênia) e "Mother
- a Busca da Verdade" (Coreia
do Sul), filmes tornados cult.
Hengameh Panahi, da Celluloid Dreams, que produziu "O
Profeta" e outros biscoitos finos do cinema autoral, diz que
a seleção reflete, também, a
mudança pela qual passa o
mercado para os filmes não-hollywoodianos. Ela observa
que, para conseguir existir na
TV ou no DVD, um filme tem
não só de ter passado pelos cinemas como ter causado algum
burburinho. "Precisamos de
histórias marcantes, bem dirigidas e atuadas. Precisamos de
menos e melhores filmes", diz.
Carlos Gerbase, cineasta brasileiro que estava na comissão,
acha, por outro lado, que é da
quantidade que esses países tiram suas pérolas.
"As TVs francesas estão
cheias de filmes franceses. As
salas também. Com quantidade
e diversidade, mais uma política que consegue levar os filmes
para o público, a qualidade é
grande e aí as obras-primas
aparecem", defende.
Para Gonzaga, o problema do
Brasil não é a falta de filmes, e
sim a crise de identidade. "O
Brasil, há 60 anos, vive uma polarização entre arte e indústria.
Não temos o meio tom. No fim,
vai para o Oscar o filme mais
bem finalizado." Matos, por sua
vez, crê que a escolha de "Salve
Geral" possa ser um divisor de
águas. "As comissões tendem a
achar que há temas propícios
para serem indicados, que os
votantes esperam alguns clichês sobre o Brasil. Talvez eles
queiram ser surpreendidos."
Texto Anterior: Mônica Bergamo Próximo Texto: "O Profeta" inaugura gênero carcerário francês Índice
|