IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Quando aparecem novas gravações de músicos falecidos já vastamente documentados em disco, não há como não ficar desconfiado. Normalmente o que emergem são registros de pobre qualidade artística e sonora, cujo lançamento o intérprete teria impedido se estivesse vivo. Aqui, contudo, está bem longe de ser o caso. Dos arquivos da Sender Freies Berlin, emissora de rádio da capital alemã, surge esse luxuriante documento da arte de um dos maiores pianistas do século passado, o ucraniano naturalizado norte-americano Vladimir Horowitz (1903-1989).
Crises depressivas e problemas com álcool fizeram sua carreira ser interrompida diversas vezes -e cada retomada era saudada com uma onda de ovações por parte da crítica especializada e do público.
Em abril de 1986, depois de 61 anos de ausência, ele se apresentou na Rússia, em uma performance documentada no DVD "Horowitz in Moscow". E, no mês seguinte, após 54 anos, voltou a a se apresentar em solo alemão, tocando em Hamburgo e Berlim -esta última apresentação é documentada no disco duplo lançado pela Sony.
Fazendo parte da mesma turnê, as apresentações de Moscou e Berlim têm muitos itens de programa em comum. Assim, quem já conhece o DVD vai ouvir no CD a mesma trinca de sonatas de Scarlatti, similar seleção de Liszt ("Valsa-Capricho a partir de Schubert" e "Soneto 104 de Petrarca"), e uma escolha de itens de Rachmaninov, Skriábin e Chopin.
A diferença reside em um dos grandes aniversariantes musicais de 2010, o alemão Robert Schumann (1810-1856). Em vez da sonata de Mozart apresentada em Moscou, Horowitz brindou os berlinenses com uma releitura da suíte "Kreisleriana". As alternâncias anímicas da obra são magistralmente ressaltadas pelo mestre que era Horowitz. Os prodígios de bravura e volume sonoro realizados pelo artista octogenário seriam impressionantes mesmo para um pianista mais jovem.