São Paulo, terça, 3 de março de 1998

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Mostras questionam formas de percepção

da Reportagem Local

Com obras do paulista Iran do Espírito Santo no andar térreo e do inglês radicado em Nova York Matthew Ritchie no mezzanino, a galeria Camargo Vilaça inicia suas atividades de 1998.
Totalmente distintas em uma primeira observação, as duas mostras chegam a estabelecer um diálogo, já que ambas tentam tratar, cada uma à sua maneira, das formas de percepção do mundo.
Matthew busca produzir em suas pinturas uma versão própria para a origem do universo, que reúna todas as suas incertezas, sejam elas científicas ou místicas.
Também é baseado na incerteza -da percepção e da apreensão da realidade- que Iran cria suas peças, sempre com grande refinamento e elegância.
Os quatro trabalhos da série "Restless" são os que trabalham com essa incerteza de maneira mais evidente. Em uma primeira visão, lembram vidros e espelhos encostados na parede. Um segundo olhar revela que se trata de um vidro apenas, que, trabalhado, ilude com suas transparências, reflexos e opacidades e questiona a visão que o espectador tem do espaço dado e do real.
Com Iran, a percepção não se acomoda, incomoda. Questiona a percepção de um mundo criado a partir de idéias e conceitos. "Existe sempre uma ansiedade e uma angústia pela apreensão da realidade, mas que escapa a toda hora", disse.
Também em vidro, "One Way" mostra as três setas recorrentes em embalagens recicláveis. "É um símbolo que sempre me intrigou muito, pois tem um significado técnico positivo, mas ao mesmo tempo sinistro, porque indica uma falta de saída, algo que não se resolve", disse.
Os trabalhos apresentados ilustram ainda o interesse e a familiaridade de Iran com diversos materiais: vidro, granito, alumínio e vários outros metais. "Esse meu interesse por materiais e também técnicas industriais ou artesanais é uma forma que encontro para dar uma referência mais concreta ao fazer artístico. Sempre procuro um ponto intermediário entre a abstração e a realidade concreta."
Algo semelhante se passa com a obra de Matthew Ritchie, que esteve na última bienal do Whitney Museum (NY). Suas telas e desenhos de parede tentam montar uma nova história do universo a partir de elementos científicos e místicos. "Estou tentando fazer mapas daquilo que não podemos explicar", disse.
"Loaded", por exemplo, reúne, como em um enorme quebra-cabeças, seres mitológicos, procedimentos alquímicos, cálculos científicos, constelações imaginárias.
"Milhões de anos depois do big bang ainda estamos tentando reunir os cacos. Não temos certeza de nada. Mesmo o big bang é uma teoria especulativa, é um projeto cultural que reflete um desejo de unidade", disse.
Outra influência facilmente reconhecível são as histórias em quadrinhos, como na pequena tela "The Working Group", que apresenta os anjos Metatron, Souriel e Tamuel como responsáveis pela criação e equilíbrio do universo.
"Como na mitologia, os quadrinhos trabalham com arquétipos. Eles contam histórias de glórias e fazem coisas que só podemos imaginar", disse.
Depois de São Paulo, Matthew prossegue em sua sua busca pelo início do universo ainda no Brasil. Vai a Piauí para visitar os sítios arqueológicos do estado.
(CF)

Mostras: Iran do Espírito Santo (dez objetos, esculturas e pinturas) e Matthew Ritchie (três pinturas e desenhos na parede) Onde: galeria Camargo Vilaça (r. Fradique Coutinho, 1.500, tel. 011/210-7390, Vila Madalena) Vernissage: hoje, às 20h Quando: de segunda a sexta, das 10h às 19h; sábado, das 10h às 14h


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