São Paulo, sábado, 03 de abril de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

As flores do mal

Tuca Vieira/Folha Imagem
A dupla de vilões Renato (Fábio Assunção) e Laura (Cláudia Abreu), que prende o público de 'Celebridade' pela maldade


Fábio Assunção e Cláudia Abreu, que fazem os vilões mais assistidos do momento, explicam a maldade de seus personagens em "Celebridade"

 "E os vermes te roerão assim como os remorsos" Baudelaire

LUIZ CAVERSAN
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Eles são louros, lindos e sexies. E são maus; na verdade, eles são terríveis. Sem escrúpulos, movidos pela ambição, eles são Laura e Renato, os louros, lindos e sexies vilões da novela das 20h, supra-sumo do dar-se bem a qualquer custo, legítimos representantes da neo-onda de "levar vantagem em tudo", antiga tradição que retorna, também requentada, pela guerra de marcas de cerveja, Zeca Pagodinho à frente.
A disposição dos dois personagens televisivos de passar por cima de qualquer coisa e qualquer um em busca de seus objetivos -ele, dominar o mundo da mídia; ela, vingar-se da mocinha Maria Clara, supostamente responsável por sua pobre infância- é o que mais tem chamado a atenção para "Celebridade", a trama de Gilberto Braga, especialista na arte da intriga que realmente intriga.
Assim é que, na semana em que a toda má Laura se dá bem de verdade e que o tresloucado Renato reafirma seu poder e se prepara para atacar a rival, eis que a novela bate recordes de audiência. Cláudia Abreu, 33, e Fábio Assunção, 32, vivem os dois personagens da hora. Ambos fazem parte daquele restrito time de atores globais para quem beleza não é incompatível com competência.
Eles têm história na TV, ambos, e no teatro, principalmente ela, oriunda do histórico Tablado, núcleo criado por Maria Clara Machado (1921-2001).
E compreendem muito bem a dimensão de seus personagens e a imbricação que a maldade da ficção tem com o dia-a-dia das pessoas "normais".
Cláudia Abreu fala de seu personagem: "A Laura é uma vilã solar. Ela é má, ambiciosa, mas interpreta, ela mesma, vários outros personagens. Consegue ser doce, amiga das mulheres que lhe interessam e sabe como agir de maneiras diferentes para seduzir homens diferentes. Ela acha que tem motivos para ser assim. Afinal, sua mãe foi humilhada pela Maria Clara, e ela se vê no direito de se vingar. Eu já ouvi gente na rua dizer que é isso aí, que ela tem mais é que fazer isso mesmo...".
Fábio Assunção define o seu eu ficcional: "O Renato é um ícone, representa o clima de fim de mundo que eu acho que está rolando hoje em dia. Valores que eram defendidos antes não são mais. As pessoas estão perdidas e se perguntam: o que resta? O que é certo e o que é errado? Por isso, o lance é se dar bem a curto prazo".
Mas essa conexão com a realidade é relativa, pois os dois malvados "são evidentemente psicopatas", declara o criador dos dois, Gilberto Braga. Ele completa: "Celebridade" não tem pretensões a realismo, é entretenimento. Laura é má "full time" porque estamos num universo de novelão, que eu acho bastante distraído. Quanto ao Renato, ele é uma exacerbação novelesca de tipos que conheço".
Pode até ser. Mas, para Claudia Abreu e Fábio Assunção, há outros indícios de inter-relação com a realidade de hoje. "Eu acho muito interessante o fato de a Laura ser aparentemente normal. Ela é humana, consegue às vezes ser simpática. Mas é possuída por uma obsessão neurótica. No entanto eu não a vejo como alguém doente."
Assunção, de sua parte, não tem dúvida de que seu personagem é doidinho da silva. "O individualismo e o egocentrismo dele são absolutos. Ele tem muito poder, dirige publicações, é um editor que pode tudo, decide se vai transformar alguém em capa de revista ou se vai sacanear alguém. Mas não consegue se relacionar com afeto com ninguém. Ele é bem esta frase: "Quem acha que a vingança é amarga não tem paladar"."
Nessa estreita e indefinida faixa entre a normalidade e o transtorno, os personagens acabam entrando no gosto popular pela sua capacidade de, muitas vezes, dizerem coisas que as pessoas não têm coragem de dizer, afirma Cláudia Abreu. "Mas é difícil saber exatamente como ocorre essa empatia com o público. Outro dia um taxista me disse: "Olha, eu quero que a Laura se dê mal no final, que queime nas chamas do inferno. Mas ela e o Renato são as coisas mais divertidas da novela"."
Tanto para Assunção quanto para Abreu, que nunca haviam sido vilões na TV, há ainda o elemento catártico para justificar a atração pelo mal. "Lembra a imagem das torres do World Trade Center caindo? Era algo terrível, mas todo mundo ficou vendo aquilo um monte de vezes", diz Assunção.
Outro fator a ser levado em conta, este um atributo de Braga, conforme ambos: o humor. As intervenções de Laura e de Renato são temperadas com tiradas espirituosas e gozações.
Dentro dos próximos 30 dias, esse dinamismo deve crescer. Laura está "por cima da carne seca", enquanto Maria Clara, recém-parida, tenta sair do inferno astral. Renato, que foi passado para trás por Laura, quer que ela suba bastante para que o "tombo seja maior". Assim, o duelo entre ambos promete.
"Estamos justamente começando a escrever o duelo, e até agora a Laura está perdendo feio", avisa Gilberto Braga.
Mas o combate ainda não está definido. Até porque há ainda cinco meses de novela pela frente e, pela tradição, os mocinhos devem ressurgir das cinzas.
Quem sabe, como quer o taxista noveleiro, os vilões irão mesmo queimar no inferno?


Texto Anterior: Programação
Próximo Texto: Frases
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.