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A volta da poncho music
Na era Chávez e Morales, Maria Rita canta com Mercedes Sosa, em show amanhã, no Credicard
Hall, e revive os áureos tempos da música de protesto latino-americana
France Presse
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A cantora argentina Mercedes Sosa, em show realizado na Guatemala |
SYLVIA COLOMBO
THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando subirem juntas,
amanhã, ao palco do Credicard
Hall, em São Paulo, a brasileira
Maria Rita, 30, e a argentina
Mercedes Sosa, 71, estarão relembrando um raro capítulo
em comum entre a música popular brasileira e a hispano-americana: o da folclórica, engajada -e hoje totalmente
kitsch- canção de protesto.
O momento é mais do que
oportuno para Maria Rita. Com
a nova onda esquerdista latino-americana reconquistando
"corações de estudantes" e defensores de um "outro mundo
possível", associar-se a um ícone revolucionário como Sosa é
chance de ouro para expandir
seu mercado pelo continente.
A cantora acha que essa onda
toda é "muito positiva". "Música que faz crítica social sempre
tem espaço", disse à Folha.
"Hoje há um certo patriotismo,
um respeito à cultura nativa,
uma tentativa de fazer um impedimento ao imperialismo
cultural dos EUA, que é perigoso para a nossa identidade."
A artista acha ainda que governantes como os presidentes
Evo Morales (Bolívia) e Hugo
Chávez (Venezuela) têm uma
"ligação muito forte com o indígena, com o que é nativo", algo que, diz ela, falta ao Brasil.
Canção de protesto
Mas será que a canção de
protesto, que tentou desafiar
ditaduras e promover a revolução socialista na base da flauta,
do poncho, dos tambores e de
uma poética de elogio ao homem do povo, ainda dialoga
com a realidade do continente?
Para o jornalista Marcelo
Tas, que encarnou o repórter
Ernesto Varela no fim do regime militar, aos olhos de hoje,
todo o cenário da música engajada parece fazer parte de "um
programa de humor".
"Quem gostava desse tipo de
música nos anos 70/80 era o
pessoal de "barba e bolsa", que já
formava um estereótipo naquela época. Eles invadiam a
aula para convocar assembléia,
era engraçado. Por outro lado,
não os condeno, pois acho bom
as pessoas serem radicais numa
fase da vida. Hoje, é claro, parece tudo muito ingênuo."
A própria Mercedes Sosa
acha que foi injustamente limitada pelo rótulo do engajamento. "Acho injusto exigir de um
artista que cante a mesma coisa
a vida toda. Hoje eu me sinto livre para gravar o que quiser,
um tango, uma música brasileira. É uma relação mais direta
com o público", conclui, dando
pistas sobre o repertório que
apresentará no show de amanhã.
Movimento estudantil
O militante da Libelu ("Liberdade e Luta", corrente do
movimento estudantil nos
anos 70) e hoje crítico gastronômico da Folha, Josimar Melo, lembra que havia uma divisão entre quem curtia música
de protesto e quem preferia o
rock. "Nós, trotskistas, achávamos que a arte deveria ser independente da política. Não
éramos contra a música popular, o sambão ou a Mercedes
Sosa, só não achávamos que era
preciso gostar disso para ser revolucionário. Os stalinistas, o
pessoal do PC e do PC do B gostavam de canção de protesto,
mas a gente preferia ouvir Led
Zeppelin ou Rolling Stones."
O líder do conjunto Raíces de
América, o argentino Willy
Verdaguer, concorda que a expressão "canção de protesto"
tenha ficado datada. "Caiu em
desuso, ficou um ranço com relação ao nome. Mas a música
em si segue agradando. A diferença é que hoje ela funciona
para encorajar e reivindicar
outras coisas, como a democracia." Com 27 anos de vida, o
Raíces ainda faz shows regularmente. Neles, os hits mais pedidos são as clássicas "Guantanamera" (poema de José Marti) e "La Carta" (Violeta Parra).
No dia 27/4, o grupo tocará no
Memorial da América Latina.
Muito maior
Líder de uma comunidade no
Orkut em homenagem a Mercedes Sosa, o advogado João
Marcelo de Andrade, 28, diz
que "embora não haja mais um
regime ditatorial para combater, as pessoas de anseios esquerdistas se vêem retratadas
pelas músicas de Sosa".
Essa identificação do trabalho da cantora com a causa socialista ainda incomoda o amigo e parceiro Raimundo Fagner. "As gravadoras erraram ao
querer enquadrá-la nesse rótulo. Ela é uma artista muito
maior." O cantor diz que, nos
anos 80, quando fez parcerias
com ela, Rafael Alberti e Paco
de Lucia, concordava politicamente com a causa, "mas o que
me interessava mesmo era a
música. Esse discurso político
que tomou conta dela esgotou-a do ponto de vista estético".
Para Fagner, aquele momento foi interessante porque houve um intercâmbio entre a música brasileira e a latino-americana. Mas só por isso. "A música brasileira de protesto sempre foi muito superior artisticamente do que a desses outros
países. É por isso que a brasileira resistiu e a latino-americana
parece hoje uma caricatura."
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