São Paulo, terça-feira, 03 de abril de 2007

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Arte reúne espanhóis e latinos

Bienal de Valência exibe trabalhos de artistas contemporâneos da Espanha e da América Latina

Aberta na semana passada, "Encontro entre Dois Mares -Bienal de São Paulo-Valência" traz temas como tolerância e solidariedade


JULIANA MONACHESI
ENVIADA ESPECIAL A VALÊNCIA

Repleta de ambigüidades, abriu na quinta-feira passada ao público, em Valência, no leste da Espanha, a exposição "Encontro entre Dois Mares -Bienal de São Paulo-Valência". Com a ambiciosa tarefa de se tornar uma referência internacional para a produção artística ibero-americana, a Bienal de Valência, que chegaria neste ano à quarta edição, tornou-se uma mostra bienal voltada apenas para a arte espanhola e latino-americana, inaugurando neste ano, portanto, sua primeira edição.
As cinco mostras distribuídas por diversos espaços na cidade têm como tema comum "A Tolerância e a Solidariedade". Uma escultura de grandes dimensões feita em madeira pelo artista mexicano Marcos Ramírez "Erre", exibida logo na entrada da mostra "Outras Contemporaneidades -Convivências Problemáticas", representa um cavalo de Tróia com duas cabeças e rodas voltadas para direções opostas.
Conhecido por retratar os conflitos que ocorrem na fronteira entre Tijuana e San Diego, Ramírez erigiu um monumento às convivências problemáticas, que encontra ecos imediatos no contexto cindido da Espanha atual.
Os idealizadores da bienal (Amador Griño é o coordenador-geral da empreitada) fizeram da obra de Ramírez o símbolo da exposição, primeira ambigüidade do "Encontro entre Dois Mares": reproduzido de forma estilizada como um logotipo do evento em todo material gráfico e de sinalização, o cavalo de Tróia parece brigar com a temática da tolerância e da solidariedade.
A parceria com a Fundação Bienal de São Paulo (que justifica o subtítulo da mostra) se materializa na exposição "Luz ao Sul", com curadoria de Agnaldo Farias e Jacopo Crivelli Visconti, no glamouroso Centro del Carmen, edifício construído no século 13 para abrigar um convento, com claustros gótico (século 15) e renascentista (século 16).
"Luz ao Sul" toma o título emprestado da obra de Carmela Gross, um grande luminoso com a palavra "sul" (que pode ser lida como um "palíndromo imperfeito"), exibido no início do ano no Instituto Tomie Ohtake. A artista construiu uma versão menor da obra para a mostra em Valência.
Segundo Agnaldo Farias, "Luz ao Sul" trata das ambigüidades da América Latina, a começar pelo vídeo de Cao Guimarães, exposto na entrada, que mostra dois garotos, filmados da janela da casa do artista, que brigam de brincadeira. Ou vice-versa.
O jogo entre idealização e violência se segue nas obras do colombiano Alberto Baraya, a árvore tombada, feita com a própria seiva da seringueira de que se extrai látex no Acre (a produção de borracha foi a base da economia do Estado durante décadas, o que gerou décadas de agressões ambientais); do argentino León Ferrari; e dos brasileiros Nelson Leirner e Rosângela Rennó.

Olhar colonizador
O critério de seleção adotado por Farias e Crivelli para a mostra em Valência foi o de artistas latino-americanos que participaram de uma Bienal de São Paulo nos últimos dez anos.
"Nós mesclamos artistas que tratam mais diretamente das questões artísticas, políticas e religiosas da América Latina, como Ferrari e Leirner, com outros nomes escolhidos de forma premeditada que tratam de questões mais universais, como é o caso de Waltércio Caldas, Iran do Espírito Santo e Daniel Senise, para evitar aquela leitura típica da arte brasileira por sua "cor local", por exemplo", explica Farias.
Além dos brasileiros incluídos na curadoria de "Luz de Sul", estão expostas obras de diversos artistas nacionais na mostra "Outras Contemporaneidades": Francisco de Almeida, Wuedes do Vasco, Mauricio Dias & Walter Riedweg, Ricardo Lanzarini, Thelma da Rocha, José Paulo Oliveira e Marcelo Silveira, entre outros.
Segundo o co-curador Kevin Power, que organizou a mostra junto de Ticio Escobar, o interesse maior na pesquisa de campo que fizeram pelo Brasil se concentrou no Nordeste, região onde encontraram diversos exemplos de arte popular que consideraram importante incluir em um contexto de arte contemporânea. É o caso de Wuedes do Vasco, que pinta painéis de propaganda no Estado do Ceará e é apresentado pela primeira vez em uma exposição de arte.
Entretanto, ao se aproximar da arte brasileira (e da América Latina) por este viés, a exposição incorre no risco de estigmatizar a produção contemporânea dos países do "sul", como a observá-los ainda com o olhar curioso do colonizador.
E aqui vai a terceira ambigüidade da Bienal de Valência: no mesmo espaço onde são apresentadas as "outras contemporaneidades", a Nave de Sagunto, ocorre a mostra "Anamnesis", que pretende exibir trabalhos de artistas espanhóis emergentes -entre eles Antoni Abad, longe de poder ser considerado um "emergente", que já participou inclusive de uma Bienal de Veneza-, obras de fato contemporâneas, que travam diálogo com a produção internacional.


A jornalista viajou a Valência a convite da Fundación de la Camunidad Valenciana de las Artes.

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