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Arte reúne espanhóis e latinos
Bienal de Valência exibe trabalhos de artistas contemporâneos da Espanha e da América Latina
Aberta na semana passada, "Encontro entre Dois Mares -Bienal de São Paulo-Valência" traz temas como tolerância e solidariedade
JULIANA MONACHESI
ENVIADA ESPECIAL A VALÊNCIA
Repleta de ambigüidades,
abriu na quinta-feira passada
ao público, em Valência, no leste da Espanha, a exposição "Encontro entre Dois Mares -Bienal de São Paulo-Valência".
Com a ambiciosa tarefa de se
tornar uma referência internacional para a produção artística
ibero-americana, a Bienal de
Valência, que chegaria neste
ano à quarta edição, tornou-se
uma mostra bienal voltada apenas para a arte espanhola e latino-americana, inaugurando
neste ano, portanto, sua primeira edição.
As cinco mostras distribuídas por diversos espaços na cidade têm como tema comum
"A Tolerância e a Solidariedade". Uma escultura de grandes
dimensões feita em madeira
pelo artista mexicano Marcos
Ramírez "Erre", exibida logo na
entrada da mostra "Outras
Contemporaneidades -Convivências Problemáticas", representa um cavalo de Tróia com
duas cabeças e rodas voltadas
para direções opostas.
Conhecido por retratar os
conflitos que ocorrem na fronteira entre Tijuana e San Diego,
Ramírez erigiu um monumento às convivências problemáticas, que encontra ecos imediatos no contexto cindido da Espanha atual.
Os idealizadores da bienal
(Amador Griño é o coordenador-geral da empreitada) fizeram da obra de Ramírez o símbolo da exposição, primeira
ambigüidade do "Encontro entre Dois Mares": reproduzido
de forma estilizada como um
logotipo do evento em todo material gráfico e de sinalização, o
cavalo de Tróia parece brigar
com a temática da tolerância e
da solidariedade.
A parceria com a Fundação
Bienal de São Paulo (que justifica o subtítulo da mostra) se
materializa na exposição "Luz
ao Sul", com curadoria de Agnaldo Farias e Jacopo Crivelli
Visconti, no glamouroso Centro del Carmen, edifício construído no século 13 para abrigar
um convento, com claustros
gótico (século 15) e renascentista (século 16).
"Luz ao Sul" toma o título
emprestado da obra de Carmela Gross, um grande luminoso
com a palavra "sul" (que pode
ser lida como um "palíndromo
imperfeito"), exibido no início
do ano no Instituto Tomie Ohtake. A artista construiu uma
versão menor da obra para a
mostra em Valência.
Segundo Agnaldo Farias,
"Luz ao Sul" trata das ambigüidades da América Latina, a começar pelo vídeo de Cao Guimarães, exposto na entrada,
que mostra dois garotos, filmados da janela da casa do artista,
que brigam de brincadeira. Ou
vice-versa.
O jogo entre idealização e
violência se segue nas obras do
colombiano Alberto Baraya, a
árvore tombada, feita com a
própria seiva da seringueira de
que se extrai látex no Acre (a
produção de borracha foi a base
da economia do Estado durante décadas, o que gerou décadas
de agressões ambientais); do
argentino León Ferrari; e dos
brasileiros Nelson Leirner e
Rosângela Rennó.
Olhar colonizador
O critério de seleção adotado
por Farias e Crivelli para a mostra em Valência foi o de artistas
latino-americanos que participaram de uma Bienal de São
Paulo nos últimos dez anos.
"Nós mesclamos artistas que
tratam mais diretamente das
questões artísticas, políticas e
religiosas da América Latina,
como Ferrari e Leirner, com
outros nomes escolhidos de
forma premeditada que tratam
de questões mais universais,
como é o caso de Waltércio Caldas, Iran do Espírito Santo e
Daniel Senise, para evitar aquela leitura típica da arte brasileira por sua "cor local", por exemplo", explica Farias.
Além dos brasileiros incluídos na curadoria de "Luz de
Sul", estão expostas obras de
diversos artistas nacionais na
mostra "Outras Contemporaneidades": Francisco de Almeida, Wuedes do Vasco, Mauricio
Dias & Walter Riedweg, Ricardo Lanzarini, Thelma da Rocha, José Paulo Oliveira e Marcelo Silveira, entre outros.
Segundo o co-curador Kevin
Power, que organizou a mostra
junto de Ticio Escobar, o interesse maior na pesquisa de
campo que fizeram pelo Brasil
se concentrou no Nordeste, região onde encontraram diversos exemplos de arte popular
que consideraram importante
incluir em um contexto de arte
contemporânea. É o caso de
Wuedes do Vasco, que pinta
painéis de propaganda no Estado do Ceará e é apresentado pela primeira vez em uma exposição de arte.
Entretanto, ao se aproximar
da arte brasileira (e da América
Latina) por este viés, a exposição incorre no risco de estigmatizar a produção contemporânea dos países do "sul", como
a observá-los ainda com o olhar
curioso do colonizador.
E aqui vai a terceira ambigüidade da Bienal de Valência: no
mesmo espaço onde são apresentadas as "outras contemporaneidades", a Nave de Sagunto, ocorre a mostra "Anamnesis", que pretende exibir trabalhos de artistas espanhóis
emergentes -entre eles Antoni
Abad, longe de poder ser considerado um "emergente", que já
participou inclusive de uma
Bienal de Veneza-, obras de fato contemporâneas, que travam diálogo com a produção
internacional.
A jornalista viajou a Valência a convite da Fundación de la Camunidad Valenciana de las Artes.
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