São Paulo, sexta-feira, 03 de abril de 2009

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Reportagem animada

Ari Folman, 46, diretor do inovador documentário "Valsa com Bashir", com estreia hoje, diz que HQs e animações também podem ser uma forma moderna e artística de fazer jornalismo

Divulgação
Cena do filme "Valsa de Bashir", que estreia hoje

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

No filme "Valsa com Bashir", que estreia hoje, o diretor Ari Folman, 46, subiu alguns degraus na escala evolutiva das animações com um documentário no formato de desenho, sobre o massacre de palestinos ocorrido em 1982, no Líbano, então em guerra contra Israel.
O gênero inovador, com belas imagens e uma trilha sonora marcada por hits de bandas da década de 80 -como Public Image Ltd. (PIL) e Orchestral Manoeuvres in the Dark (OMD)-, tinha objetivo claro:
"A intenção era alcançar públicos mais jovens. Queria que o filme chegasse a pessoas cujas vidas e decisões futuras ainda pudessem ser afetadas", diz à Folha o diretor, que não só assume a influência de quadrinistas como Art Spiegelman e Joe Sacco como arrisca uma previsão: "As graphic novels se tornaram uma forma moderna e artística de jornalismo. E a tendência é que elas levem a mais animações para adultos".

Terapia
Folman levou cerca de dois anos e meio para finalizar "Valsa com Bashir", que disputou a estatueta de melhor filme estrangeiro no Oscar 2009. O documentário surgiu, em parte, como uma maneira de burlar o serviço militar. Na reserva, Folman prestava serviços como diretor de curtas-metragens sobre, por exemplo, como se proteger de um ataque atômico.
Aos 40 anos, ao pedir uma dispensa, Folman foi aconselhado a ver um psicoterapeuta do Exército e contar sua experiência no conflito no Líbano para obter a liberação. Durante as 20 sessões, de duas horas cada uma, a história foi vindo à tona, e o diretor procurou amigos e familiares. Começou aí a desenrolar o novelo das lembranças do massacre dos campos de refugiados palestinos em Sabra e Chatila, no sul do Líbano.
Estima-se que mais de 3.000 civis tenham sido mortos pela milícia cristã dos falangistas (aliados a Israel), em represália ao assassinato de seu líder e então presidente libanês Bashir Gemayel, a quem o título se refere. A valsa, a propósito, é uma metáfora do tempo cinemático, segundo Folman: um soldado sai em disparada atirando com sua metralhadora. O que teria durado dez segundos pareceu-lhe uma eternidade.
O episódio é controverso: os soldados israelenses que vigiavam a periferia dos campos de refugiados teriam ajudado os falangistas indiretamente "iluminando" seu caminho com foguetes sinalizadores. Teria havido também omissão de Israel, na figura do então ministro da Defesa, Ariel Sharon, que quase 20 anos depois viria a ser o primeiro-ministro do país.
Para a animação, Folman gravou em um estúdio entrevistas com sete de seus contemporâneos. Outros dois não quiseram participar, e suas histórias foram narradas por atores.
O diretor defende que seu filme é apolítico, pois ele não entrevistou palestinos ou cristãos. Isso não evitou, no entanto, críticas da esquerda -para quem o filme não assume a parcela de culpa de Israel- e da direita- que, por sua vez, achou que o documentário fere a imagem do Estado judaico.
Apesar de querer atingir em cheio corações e mentes do público jovem, Folman, que transformou o filme em HQ, lançada aqui pela L&PM, faz questão de ressaltar as diferenças entre seu filme e longas de ação dos EUA que retratam guerras: "Ninguém quer ser um dos personagens de "Valsa com Bashir'", diz. "Eles não são "cool" [legais], não se trata aqui de uma história de bravuras ou amizades heroicas."


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