São Paulo, sexta, 3 de abril de 1998

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CONCERTO CRÍTICA
Orquestra, regente e até filha tiram o brilho de Montserrat Caballé

IRINEU FRANCO PERPETUO
especial para a Folha

Desorganização, orquestra e regente foram os principais adversários da soprano Montserrat Caballé em seu concerto de anteontem à noite, no Teatro Municipal de São Paulo.
A bagunça imperou na distribuição dos convites, que fazia um público ruidoso se digladiar por lugares, com muita gente assistindo à récita de pé.
Vendidos por nada módicos R$ 10, os programas se evaporaram rapidamente; e as partituras de orquestra também demoraram a chegar, restringindo o número de ensaios.
Mas a falta de ensaios só explica uma parte dos problemas da Sinfônica de Porto Alegre. O nível da orquestra decaiu visivelmente; o conjunto é pesado, com trompas, trombones e fagotes constrangedores.
O maestro Cláudio Ribeiro revelou-se pouco mais do que um metronômo, limitando-se a contar o tempo -e nem sempre com precisão.
A verdadeira regente foi Montserrat Caballé, como ficou demonstrado na ária "Di Tanti Palpiti", da ópera "Tancredi", de Rossini, na qual, com um gesto peremptório, a soprano resolveu a confusão que imperava no acompanhamento orquestral.
Desta forma, deve ser imputada a Caballé, e não a Ribeiro, a excessiva lerdeza nos andamentos do dueto "Viens, Malika", da "Lakmé", de Delibes, e da "Habanera", da "Carmen", de Bizet, que, de tão arrastados, estavam quase irreconhecíveis.
A soprano Montse Martí, filha de Caballé, pode não ter sido uma adversária, mas certamente não foi uma aliada.
Sua participação musical mais interessante foi tocar castanholas no "Bolero" da zarzuela "Los Diamantes de la Corona", de Barbieri.
Ocupou uma parte grande demais do programa, aparecendo quase tanto quanto a mãe, sem demonstrar méritos para tanto. Quem pagou para ouvir Caballé merecia coisa melhor que essa cantora comum, que teve problemas de afinação em "Quando Me'n Vo", de "La Bohème", de Puccini.
Aos 64 anos, Caballé não tem mais o vigor e o volume da juventude, mas ainda conserva muitas qualidades dignas de serem ouvidas.
O fôlego continua o mesmo, e os pianíssimos seguem sendo inacreditáveis.
Sua presença de palco também é marcante, bem como a capacidade de se comunicar com o público. Em um programa que mesclava ópera e zarzuela, este último gênero foi bem mais interessante; atuando em seu próprio idioma, Caballé foi magnética, expressiva e cativante.
Em resumo: apesar da idade, Montserrat Caballé conseguiu demonstrar por que ainda é considerada uma das maiores sopranos do século.
Pena que tinha tanta gente tentando atrapalhar.



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