São Paulo, sexta, 3 de abril de 1998

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Para líderes indígenas, projeto é neocolonialista

da Reportagem Local

Fruto de lobbies econômicos, neocolonialista, ridículo. As críticas contra o memorial que se pretende erguer na Coroa Vermelha ganham força sobretudo entre antropólogos, organizações não-governamentais e líderes indígenas. Conheça as mais contundentes -e também os argumentos favoráveis à iniciativa.

O ataque
Celene Fonseca, antropóloga: "O Museu Aberto do Descobrimento e o Memorial do Encontro são um deboche. Expõem o país ao ridículo.
A trapalhada começa logo nos nomes. A expressão "descobrimento' é eurocêntrica. Despreza os povos que habitavam o Brasil antes de 1500. Desqualifica-os, não os trata como seres humanos. Coloca-os no mesmo patamar dos acidentes geográficos, das florestas, dos mares. Encara-os como parte da natureza e não da cultura.
Já o termo "encontro' soa eufemístico. Disfarça a desconfiança recíproca, a tensão que sempre marcou o contato entre índios e europeus.
Do jeito que estão conduzindo a coisa, teremos uma festa portuguesa dentro do Brasil -o que é inaceitável."
Sumário Santana, integrante do Conselho Indigenista Missionário (entidade ligada à Igreja Católica): "O memorial propõe que as nações indígenas se transformem, de novo, em uma peça da engrenagem que sustenta o modelo branco de desenvolvimento econômico.
Para estimular o turismo na região, propaga o mito da democracia racial e explora a imagem do índio folclórico. É um empreendimento triunfalista, que banaliza a cultura e o cotidiano dos pataxós."
Maninha Xucuru-Cariri, coor denadora da Apoinme (Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo): "Com o memorial, o governo desrespeita as etnias que resistiram à truculência dos brancos nos últimos cinco séculos.
Não basta argumentar que o projeto vai melhorar as condições materiais dos pataxós. Nenhum dinheiro paga o olhar equivocado que o país insiste em lançar sobre os índios."
Marcos Terena, articulador dos direitos indígenas junto à Organização das Nações Unidas (ONU): "O memorial cristaliza uma interpretação ainda colonialista da história. Em muitas tribos do Brasil, não se faz idéia do que sejam os 500 anos. Os índios contam o tempo de outra maneira."

A defesa
Ministro Lauro Moreira, presidente da Comissão Nacional para as Comemorações do 5º Centenário do Descobrimento: "Os pataxós são os grandes beneficiários do memorial. A iniciativa vai tirá-los da pobreza em que se encontram e recuperar uma área de importância histórica.
Rejeito a tese de que não há o que comemorar. É uma posição sectária, passadista, que toma os índios como únicos habitantes da terra.
Quem não quiser que deixe de festejar a chegada dos portugueses. Mas que celebre, pelo menos, os 500 anos de Brasil, os cinco séculos de mistura racial, o maior patrimônio que todos nós temos."
Wilson Reis Netto, arquiteto, autor do projeto do memorial: "Independentemente de agradar índios ou portugueses, o que me interessa é exaltar a miscigenação, o sincretismo. Quero espelhar a índole do brasileiro -um povo que vivencia profundamente o espetáculo, que se sacrifica para conviver com a beleza." (AA)



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