São Paulo, Sábado, 03 de Abril de 1999
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MÚSICA ERUDITA
Maestro assume para recompor Orquestra Nacional de Brasília
Barbato traz apelo popular

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília

Estrela ascendente da música sinfônica brasileira, Silvio Barbato deu partida no final de março à sua carreira de maestro principal de duas importantes orquestras do país: a do Teatro Municipal do Rio e a do Teatro Nacional de Brasília.
No Rio, em substituição a Mário Tavares, Barbato assumiu um grupo coeso, homogêneo, com tradição de qualidade artística constante, e se apresenta diante de públicos habituados à música erudita.
Em Brasília, sua situação é diferente. No mês que antecedeu à sua estréia, Barbato teve de recompor uma estrutura em frangalhos: apenas 40 músicos atuantes, sem cadeiras e estantes em número suficiente nem em boas condições.
Há versões conflitantes sobre as razões que levaram a essa situação. A passagem por três anos da maestrina cubana Elena Herrera à frente do grupo foi conturbada. Ela se desentendeu com parte da administração do ex-governador do Distrito Federal Cristovam Buarque, recebeu acusações de privilegiar músicos cubanos inexpressivos e de rebaixar a qualidade geral da orquestra. Herrera, 50, tem se recusado a falar a jornalistas sobre os problemas que enfrentou.
Barbato, 39, que já foi regente titular da orquestra entre 1989 e 1992, também prefere não falar do passado. Ele contratou 40 músicos novos, vindos de Curitiba, Belo Horizonte e do exterior. Diz que vai elevar o número para 120.
Na gestão Herrera, o tamanho das audiências da orquestra decresceu de modo dramático a uma média de 300 pessoas por audição. Um dos desafios de Barbato é ampliar o universo apreciador de música, o que significa criar (em vez de recuperar) espectadores.
O maestro começou bem. Na sua primeira audição, na última terça, conseguiu tirar o máximo de uma orquestra recém-reconstruída.
Para isso, foi hábil na escolha do programa. Selecionou peças em geral não muito complexas, mas que esboçaram seu projeto de formar um repertório brasileiro, contemporâneo e de apelo ao público.
A noite teve o "Hino Nacional" e suas variações por Gottschalk, Carlos Gomes, Cláudio Santoro (patrono e primeiro maestro da orquestra), Chopin e o infalível "Bolero", de Ravel, para encerrar.
A seleção ajudou a domar o público (de 1.110 pessoas, a R$ 10 por cabeça), que se enervara com o atraso de 30 minutos para o início da audição e era composto desde crianças pequenas (surpreendentemente bem-comportadas) até indóceis adolescentes debochados, de um inusitado manifestante político que denunciou o "ataque imperialista à Sérvia" num dos intervalos a muitos inclementes usuários de estridentes celulares.
Estabeleceu-se ostensiva empatia entre maestro e platéia. Barbato exibiu estilo de regência descontraído, mas vigoroso, bem-humorado, mas eficiente. A informalidade chegou ao ponto de ele ter pedido licença para enxugar o suor.
Os espectadores exigiram um "encore". Mas o repertório da orquestra ainda é tão limitado que eles acabaram ganhando um bis, a "Alvorada", da ópera "O Escravo", de Carlos Gomes, peça em que ela havia se saído melhor na audição (na repetição, não foi tão bem).
Barbato contou com o auxílio de um bom pianista, o brasileiro radicado em Paris José Carlos Cocarelli, que tocou com entusiasmo e convicção a "Fantasia Triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro".
O maestro ainda puxou da cartola alguns efeitos especiais, como gelo seco saindo dos pés dos músicos e luzes de trás do palco ao final do "Bolero", o que ressaltou o caráter cafona da obra mais conhecida de Ravel e funcionou como instrumento de ironia para os (poucos) mais exigentes da audiência e de emoção para a maioria.
Para o futuro, ambição é o que não falta. Ele quer concretizar um antigo projeto que tinha com Renato Russo de montar uma ópera-rock. Também pensa numa ópera sertaneja com Elomar. Pretende usar contatos que fez durante seu doutorado nos EUA para trazer a Brasília alguns nomes do jet-set internacional da música erudita.


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