São Paulo, sexta-feira, 03 de maio de 2002

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TEATRO/CRÍTICA

Espetáculos de Miguel Falabella e Diogo Vilela evocam personagens nacionais de maneiras opostas

Musicais resgatam a auto-estima brasileira

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Há em cartaz na cidade dois musicais sobre mitos da MPB. Miguel Falabella apresenta a trajetória de Carmen Miranda; Diogo Vilela, a de Elis Regina. A razão para a coincidência está na ponta da língua: quem não pode mais ir à Broadway por questões econômicas e políticas anda ávido por encontrar por aqui mesmo não só um teatro musical com a mesma qualidade técnica, mas que resgate temas e valores brasileiros, nossa "auto-estima", como diz Falabella. Em nome desta "Broadway paulista" é cogitada até a reforma do bairro do Bexiga.
Apesar de desafios técnicos em comum, como a capacidade de alternar fala e canto sem perder o compasso e, se possível, a naturalidade, assim como evocar personagens históricos sem ceder demais à caricatura, o espetáculo de Falabella e de Vilela se opõe em pontos cruciais.
"South American Way" apresenta Carmen Miranda voltando ao Brasil em 1954, magoada por estar sendo vista como "americanizada". No porto, encontra a si mesma jovem, o que dá margem a um flashback não convencional, além de possibilitar que duas cantoras se alternem na interpretação de seus sucessos.
Figurinos e coreografias são reproduzidos com zelo, o que é mérito questionável, dado o mau gosto que imperava na época. A atmosfera de simulacro é ostentada como valor: Carmen questiona abertamente ter que dançar rumba em nome de uma efêmera "política de boa vizinhança", mas se é isso que tem de fazer pela sua pátria, não foge à luta. É roubada pela empregada, faz um casamento infeliz com seu empresário, mas esse é seu destino, como vaticina uma cigana que fornece ao público as informações necessárias.
Não importa a falcatrua, importa chegar lá. Lá, na Broadway, mesmo que seja dentro de um carrinho alegórico de néon, empurrada por um solícito contra-regra. Não cabe aqui nenhum distanciamento crítico: Carmen é uma heroína intocável, desdobrada em duas solistas que rivalizam nos agudos e um elenco de apoio medíocre.
"Elis, a Estrela do Brasil" evita esse tipo de hagiografia assumir com bom humor o tom caricatural. A família "caipira" de Elis, com seu sotaque gaúcho, parece ter saído de "A Era do Rádio", de Woody Allen, sobretudo pelo carisma de Marcos Oliveira e de Malu Valle e a empatia de Bruno Miguel, que faz o irmão de Elis com competente simplicidade. Inez Viana abusa às vezes de sua capacidade de imitar Elis, mas roteiro e direção sabem conduzi-la pela exposição de suas incoerências.
A peça, assim, se torna épica, com saltos de tempo e atores que sabem se dirigir diretamente ao público sem perder o personagem, como Cláudio Lins e Jandir Ferrari. Mais importante, todos cantam, e bem, por menor que seja a participação.
Porque, no fundo, quem encanta nesse musical não é Elis e seus amigos, mas seus intérpretes. A sua morte foi uma perda irreparável, mas a saudade que se evoca não é a de um museu de cera, mas de padrões que continuam válidos e são resgatados com emoção. Não se trata tanto de colher a flor que já não há, mas de semear a próxima colheita.



Elis, a Estrela do Brasil    
Direção: Diogo Vilela
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (r. Álvares Penteado, 112, SP, tel. 0/xx/11/3113-3651)
Quando: de sex. a dom., às 18h30; até 26 de maio
Quanto: de R$ 7 a R$ 15



South American Way  
Direção: Miguel Falabella
Onde: Procópio Ferreira (r. Augusta, 2.823, SP, tel. 0/xx/11/ 3083-4475)
Quando: de qui. a sáb., às 21h; dom., às 18h; até 18 de agosto
Quanto: de R$ 35 a R$ 80



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