São Paulo, sábado, 03 de maio de 2008

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Um outro Taunay

Lançamento do catálogo raisonné de Taunay amplia debate sobre papel do pintor francês, que ganha ainda exposição no Museu Nacional de Belas Artes (RJ)

MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL

Ele era míope, sua produção contrariava o que esperavam dele, nunca havia planejado morar no Brasil e tudo saiu errado em sua aventura brasileira. Mas tornou-se o grande herói das comemorações dos 200 anos da chegada da família real ao país, posição que era destinada a dom João 6º e a Carlota Joaquina.
Ainda que fosse o mais renomado pintor que aportou aqui em 1816 na chamada missão francesa, Nicolas-Antoine Taunay (1755-1830) era pouco estudado e largamente desconhecido no país, uma figura menor perto do popular Debret ou do premiado arquiteto Grandjean de Montigny.
Mas, agora, o pintor é redescoberto e tem sua obra amplamente reavaliada, como provam a edição do catálogo raisonné de sua produção brasileira e a extensa e inédita exposição que começa terça no Museu Nacional de Belas Artes (RJ).
O livro é de autoria de Pedro Corrêa do Lago, autor também dos catálogos completos das obras brasileiras de Frans Post (lançado em 2006) e de Debret (no final de 2007).
A exposição "Nicolas-Antoine Taunay no Brasil - Uma Leitura dos Trópicos" tem curadoria da historiadora Lilia Moritz Schwarcz, autora do recém-lançado "O Sol do Brasil" (Companhia das Letras), o mais ambicioso e completo estudo sobre o artista já realizado no país.
A edição de Corrêa do Lago e o trabalho de Schwarcz foram desenvolvidos de forma independente e têm abordagens diversas sobre o pintor, ainda que ambos cheguem à mesma conclusão -Taunay foi uma figura complexa e essencial para a representação pictórica do Brasil oitocentista.
Corrêa do Lago acha que Taunay "tem muito pouco a ver com a missão francesa". Entre os quatro períodos em que analisa a relação de Taunay com o Brasil, enfatiza os primeiros meses no país, quando seu destino é selado pela briga com Lebreton, líder da colônia de artistas, e por não ter conseguido a simpatia do duque de Luxemburgo, responsável pelo que poderia ser chamada de "segunda missão francesa", a vinda do desenhista Clarac, do naturalista Saint-Hilaire e do compositor Neukomm.
Para Corrêa do Lago, Taunay era um "grande intrigante" (Debret deixou um registro dos fatos em carta, incluída na edição) e, ao tentar se aproximar do ramo errado da família real (o da rainha), teria virado uma espécie de "Carlota Joaquina da missão francesa". Ou seja, se indispôs com todos, ficou isolado e, quando foi embora, "só faltou jogar os sapatos no mar".
Com um detalhe: assim como a rainha, deixou descendentes que fizeram a história do país. A dinastia que Taunay deixou, a começar pelos filhos artistas Félix-Émile e Adrien, foi seu grande legado (e por isso é abordada no livro). O autor compara: "Taunay estava mais preocupado em corresponder aos princípios nos quais sua carreira toda tinha se baseado do que em enxergar o que estava à sua frente. Isso criava quadros estranhíssimos do ponto de vista do realismo, mas aos olhos de hoje o torna mais moderno do que seu filho Félix-Émile, que era um grande realista".
É em relação à "colônia Lebreton" que começam as principais diferenças entre a visão de Corrêa do Lago e de Schwarcz. A historiadora desmistifica a missão francesa, que teria se constituído principalmente de um grupo de artistas auto-exilados. Ele acha que, no mínimo, foi uma missão "oficiosa".
Outros pontos de divergência são a influência recebida do Brasil (praticamente nenhuma, para ele) e a visão dos escravos. Ele minimiza a angústia que Taunay teria sentido com a escravidão e como isso se refletiu nas pinturas.
Seja como for, é incrível que um artista central na primeira metade do século 19 tenha tido um reconhecimento tão tardio. Apenas em 2000, na mostra "O Olhar Distante" (comemorações dos 500 anos do Brasil), organizada por Corrêa do Lago, quatro obras de Taunay que eram atribuídas a Chamberlain passaram a ser atribuídas a Taunay.
Com essa reatribuição concordou a maior autoridade em Taunay, a francesa Claudine Lebrun Jouve, autora do catálogo raisonné completo de Taunay (com mais de mil obras listadas), publicado na França em 2003 (ela assina o prefácio do livro de Corrêa do Lago).
A própria pesquisadora ampliou nos anos 90 a produção reconhecida de Taunay no Brasil, quando identificou um importante retrato de Carlota Joaquina (o biju no alto desta página, pintura não incluída na exposição do Rio) e os retratos das suas filhas e do neto, que estavam no Palácio de Queluz.


TAUNAY E O BRASIL - OBRA COMPLETA (1816-1821)
Autor: Pedro Corrêa do Lago
Editora: Capivara
Quanto: R$ 135 (272 págs.)



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