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Um outro Taunay
Lançamento do catálogo raisonné de Taunay amplia debate sobre papel do pintor francês, que ganha ainda exposição no Museu Nacional de Belas Artes (RJ)
MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL
Ele era míope, sua produção
contrariava o que esperavam
dele, nunca havia planejado
morar no Brasil e tudo saiu errado em sua aventura brasileira. Mas tornou-se o grande herói das comemorações dos 200
anos da chegada da família real
ao país, posição que era destinada a dom João 6º e a Carlota
Joaquina.
Ainda que fosse o mais renomado pintor que aportou aqui
em 1816 na chamada missão
francesa, Nicolas-Antoine Taunay (1755-1830) era pouco estudado e largamente desconhecido no país, uma figura menor
perto do popular Debret ou do
premiado arquiteto Grandjean
de Montigny.
Mas, agora, o pintor é redescoberto e tem sua obra amplamente reavaliada, como provam a edição do catálogo raisonné de sua produção brasileira e a extensa e inédita exposição que começa terça no Museu
Nacional de Belas Artes (RJ).
O livro é de autoria de Pedro
Corrêa do Lago,
autor também
dos catálogos
completos das
obras brasileiras de Frans
Post (lançado
em 2006) e de
Debret (no final
de 2007).
A exposição
"Nicolas-Antoine Taunay
no Brasil - Uma
Leitura dos
Trópicos" tem
curadoria da
historiadora Lilia Moritz
Schwarcz, autora do recém-lançado "O Sol
do Brasil" (Companhia das Letras), o mais ambicioso e completo estudo sobre o artista já
realizado no país.
A edição de Corrêa do Lago e
o trabalho de Schwarcz foram
desenvolvidos de forma independente e têm abordagens diversas sobre o pintor, ainda que
ambos cheguem à mesma conclusão -Taunay foi uma figura
complexa e essencial para a representação pictórica do Brasil
oitocentista.
Corrêa do Lago acha que
Taunay "tem muito pouco a ver
com a missão francesa". Entre
os quatro períodos em que analisa a relação de Taunay com o
Brasil, enfatiza os primeiros
meses no país, quando seu destino é selado pela briga com Lebreton, líder da colônia de artistas, e por não ter conseguido
a simpatia do duque de Luxemburgo, responsável pelo que
poderia ser chamada de "segunda missão francesa", a vinda do desenhista Clarac, do naturalista Saint-Hilaire e do
compositor Neukomm.
Para Corrêa do Lago, Taunay
era um "grande intrigante"
(Debret deixou um registro dos
fatos em carta, incluída na edição) e, ao tentar se aproximar
do ramo errado da família real
(o da rainha), teria virado uma
espécie de "Carlota Joaquina
da missão francesa". Ou seja, se
indispôs com todos, ficou isolado e, quando foi embora, "só
faltou jogar os sapatos no mar".
Com um detalhe: assim como a
rainha, deixou descendentes
que fizeram a história do país.
A dinastia que Taunay deixou, a começar pelos filhos artistas Félix-Émile e Adrien, foi
seu grande legado (e por isso é
abordada no livro). O autor
compara: "Taunay estava mais
preocupado em corresponder
aos princípios nos quais sua
carreira toda tinha se baseado
do que em enxergar o que estava à sua frente. Isso criava quadros estranhíssimos do ponto
de vista do realismo, mas aos
olhos de hoje o torna mais moderno do que seu filho Félix-Émile, que era um grande
realista".
É em relação à "colônia Lebreton" que começam as principais diferenças entre a visão
de Corrêa do Lago e de
Schwarcz. A historiadora desmistifica a missão francesa, que
teria se constituído principalmente de um grupo
de artistas auto-exilados. Ele acha
que, no mínimo, foi
uma missão "oficiosa".
Outros pontos de
divergência são a
influência recebida
do Brasil (praticamente nenhuma,
para ele) e a visão
dos escravos. Ele
minimiza a angústia que Taunay teria sentido com a
escravidão e como
isso se refletiu nas
pinturas.
Seja como for, é
incrível que um artista central na primeira metade do século 19 tenha tido um reconhecimento
tão tardio. Apenas em 2000, na
mostra "O Olhar Distante" (comemorações dos 500 anos do
Brasil), organizada por Corrêa
do Lago, quatro obras de Taunay que eram atribuídas a
Chamberlain passaram a ser
atribuídas a Taunay.
Com essa reatribuição concordou a maior autoridade em
Taunay, a francesa Claudine
Lebrun Jouve, autora do catálogo raisonné completo de Taunay (com mais de mil obras listadas), publicado na França em
2003 (ela assina o prefácio do
livro de Corrêa do Lago).
A própria pesquisadora ampliou nos anos 90 a produção
reconhecida de Taunay no Brasil, quando identificou um importante retrato de Carlota
Joaquina (o biju no alto desta
página, pintura não incluída na
exposição do Rio) e os retratos
das suas filhas e do neto, que estavam no Palácio de Queluz.
TAUNAY E O BRASIL - OBRA
COMPLETA (1816-1821)
Autor: Pedro Corrêa do Lago
Editora: Capivara
Quanto: R$ 135 (272 págs.)
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