São Paulo, sábado, 03 de maio de 2008

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Novo autor fura "panelinha" da Globo

Após bater recordes de ibope às 19h, João Emanuel Carneiro fala à Folha sobre estréia no horário nobre com "A Favorita"

Trama protagonizada por Patrícia Pillar e Cláudia Raia entra no ar em 2 de junho e vai discutir "o julgamento que fazemos das pessoas"


LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando João Emanuel Carneiro nasceu, em 1972, quase toda a restrita panelinha de autores de novelas das oito da Globo já estava no batente.
Em 2 de junho, entra no ar "A Favorita", sua terceira novela e a primeira no horário nobre. Roteirista premiado pelo filme "Central do Brasil" (1998), de Walter Salles, Carneiro teve de fazer o que parecia impossível para ganhar uma vaga às 21h na Globo: bater recordes no Ibope com as suas duas primeiras novelas, "Da Cor do Pecado" (2004) e "Cobras & Lagartos" (2006), exibidas às 19h.
"A Favorita" será protagonizada por Patrícia Pillar e Cláudia Raia. Uma das duas personagens matou o homem com o qual ambas estavam envolvidas. O autor diz que nem ele sabe ainda qual é a assassina. É sobre esse "jogo" e outros assuntos, de política ao caso Isabella, que ele fala à Folha.

 

FOLHA - O que pretende com "A Favorita"?
JOÃO EMANUEL CARNEIRO
- Pretendo discutir o julgamento que fazemos das pessoas. De uns tempos para cá, tenho tido cada vez mais dúvidas. Dúvidas quanto ao caráter de muita gente, se o meu gerente de banco tem boas intenções quando diz que tenho que investir no fundo tal, se muitas pessoas tentam se aproximar de mim por interesse depois que me tornei um autor de novela, e muitíssimas dúvidas quanto aos políticos que se dizem inocentes. O que mais nos transtorna no caso Isabella é ainda o fiapo de dúvida que resta. Será que o pai pode ser inocente? Quis acreditar quando afirmou que não matou a filha. Não posso admitir que um pai atire a filha pela janela.

FOLHA - Como resume a novela?
CARNEIRO
- Essa novela é um brinquedo novo para mim. Tenho duas protagonistas, Flora [Patrícia Pillar] e Donatela [Cláudia Raia]. Uma das duas matou o marido de Donatela e amante de Flora, Marcelo, pai de Lara [Mariana Ximenes] com Flora. Uma das duas está mentindo. Eu mesmo não sei qual. Num dado momento, vou julgar as personagens e dar um veredicto. Minha decisão vai depender, é claro, da química da novela no ar com o público, da atuação das atrizes, de tudo. É um jogo muito estimulante. Uma história pirandelliana.

FOLHA - Abordará a política?
CARNEIRO
- A novela não trata especificamente de política nem pretende comentar a cena política brasileira atual. Tem o personagem do Milton Gonçalves, o Romildo, que é um político que quer que o filho alcoólatra siga a carreira dele, mas o foco é na intimidade dos personagens. Me interessa saber até onde são capazes de ir antes de traírem os seus princípios. O assunto é a ética pessoal. O Romildo é apaixonado por Arlete (Ângela Vieira), que gosta dele, mas não admite manter uma relação com ele porque é corrupto. Ou ele abdica do cargo para ficar com ela, ou ela capitula e se casa com um homem de quem gosta, mas que tem uma falha de caráter grave no ponto de vista dela. Algum dos dois vai trair seus princípios?

FOLHA - Mais uma vez, você terá personagens negros importantes. Apesar de ter feito a primeira protagonista negra de novela [Taís Araújo, "Da Cor do Pecado"] e do personagem forte de Lázaro Ramos ["Cobras & Lagartos"], diz não se interessar por falar de racismo. Por quê?
CARNEIRO
- Não faço novelas pensando em lançar polêmicas sociológicas, sociopolíticas, para chamar atenção. Me interessa contar a história. Colocar personagens negros não tem que ter objetivo nenhum. As pessoas no Brasil são brancas, negras, mestiças, mulatas, cafuzas, mamelucas. Se todos fossem louros na novela, a trama teria que se passar na Suécia.

FOLHA - Lília Cabral disse que sua personagem em "A Favorita" poderia ser homossexual. Ainda é interessante abordar o homossexualismo, agora que personagens gays se tornaram obrigatórios em novelas?
CARNEIRO
- Gays são obrigatórios? Não são, não. Tudo o que é obrigatório é de uma chatice inominável. Nas minhas novelas, não tem nada obrigatório. Gay não é interessante por ser gay. A história é que tem que ser interessante, assim como a de um heterossexual. Lília será uma mulher tradicionalista massacrada pelo marido e agarrada àquele casamento como uma tábua de salvação. Mais uma vez a questão da ética: será ela capaz de trair os seus princípios e cornear esse homem?

FOLHA - Por que desistiu de ambientar a novela no Centro-Oeste? Não seria bom fugir do eixo Rio-SP?
CARNEIRO
- Queria sair do cenário urbano. Não sei fazer uma novela regionalista, como o Benedito Ruy Barbosa. A saída foi fazer uma trama "rurbana", meio passada na cidade e meio no campo. Metade dos personagens mora em cidade; a outra, na vila planejada da fábrica próxima à cidade. A princípio, pensei em levar a novela a Brasília, um cenário urbano novo, com uma personalidade arquitetônica própria. Mas foi impossível, sairia muito caro deslocar as gravações. A estrutura da Globo fica no Rio e em São Paulo. Finalmente, a novela acabou se passando em São Paulo. O [diretor] Ricardo Waddington pegou o centro da cidade, está dando uma cara meio anos 50, de filme noir.

FOLHA - Sua primeira novela teve 32 personagens, a segunda, 24. Quantos terá "A Favorita"? Está difícil escalar elenco na Globo?
CARNEIRO
- Só 33 personagens. Gosto de concentrar a história. Acho que um defeito das novelas ultimamente é que elas se dispersam demais entre muitos núcleos e personagens.

FOLHA - O que significa para você a estréia no horário nobre da Globo?
CARNEIRO
- Significa que vou ter mais gente no sofá, gente que parou para ver minha novela. É um alívio depois de duas novelas das sete, que têm que prender o espectador pelo laço.


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