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4º CHIVAS JAZZ
Festival afirma interesse por música instrumental
CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Com uma noite histórica, que
marcou a volta do pianista
Dom Salvador aos palcos do país
após 30 anos, terminou na madrugada de domingo o 4º Chivas
Jazz. Revelações e alta qualidade
musical caracterizaram mais uma
vez esse festival, que desde a primeira edição rejeita concessões à
música pop.
A platéia que lotou o DirecTV
Music Hall em São Paulo por quatro noites não conhecia todas as
atrações, o que aumentou o impacto de alguns shows. Como o
do veterano saxofonista Arthur
Blythe, que surpreendeu com seu
inusitado trio. Apoiado pela tuba
ágil de Bob Stewart e pelos ritmos
secos do baterista Cecil Brooks,
Blythe conquistou a platéia com
um jazz livre e minimalista.
Mais surpreendente ainda foi o
frenético trio do pianista Jason
Moran, responsável pelos momentos de experimentação mais
radical. Chegou a utilizar vozes
sampleadas como trilha para seus
improvisos, que fundem elementos do jazz tradicional com a liberdade rítmica do "free jazz".
Sugerindo que essa concepção
modernista pode ser aplicada a
qualquer fonte, o pianista homenageou a música brasileira com
uma personalíssima versão de
"Maria Maria" (Milton Nascimento), ligando-a à italiana "Estate", hoje um "standard" do jazz
graças a João Gilberto.
Modernidade e tradição também dialogaram nos shows de
três veteranos. À frente da Electric
Bebop Band, marcada pelos contrapontos de guitarras e saxofones, Paul Motian mostrou que a
arritmia do "free jazz" pode conviver bem com o legado do jazz
moderno. Liberdade também é
uma premissa básica na estética
do canadense Paul Bley, que em
solo de piano exibiu sua original
concepção de tempo, combinando lirismo e sutilezas rítmicas.
Igualmente originais foram os
arranjos do Konitz-Talmor Nonet, que reuniu norte-americanos
e brasileiros, com destaque para o
sax alto do lendário Lee Konitz.
Um dos pais do "cool jazz", ele comandou improvisos sobre composições próprias inspiradas em
"standards" clássicos como "How
High the Moon".
Mais clássico é o jazz da cantora
Mary Stallings, seguidora de Carmen McRae e Dinah Washington,
que abriu seu show com uma sofisticada versão de "Old Devil
Moon" e rendeu tributo à MPB
com a jobiniana "Dindi".
A única decepção ficou por conta do saxofonista Eric Alexander.
Exibicionista em excesso, preferiu
mostrar sua técnica em solos infestados de notas. Falta a ele a maturidade musical que Dom Salvador tem de sobra.
Emocionado, o músico paulista
radicado nos EUA parecia decidido a mostrar numa única noite
como suas originais fusões de
samba e jazz evoluíram nas últimas três décadas, tocando composições próprias como a percussiva "Gafieira" e a delicada balada
"Mariá". Além de seu quarteto,
que destacou o sax do experiente
jazzista Dick Oatts, Salvador contou com participações do cantor
Ed Motta e de dois ex-integrantes
do grupo Abolição: o trompetista
Barrosinho e Serginho do Trombone.
Só por ter reapresentado Dom
Salvador ao público brasileiro, o
Chivas Jazz já teria justificado sua
existência. Mas sua importância é
bem mais ampla: mostra aos incrédulos que a música instrumental e o jazz têm um público bastante fiel no país.
Carlos Calado é autor de "O Jazz Como Espetáculo", entre outros livros
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