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São Paulo, terça-feira, 03 de junho de 2003

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4º CHIVAS JAZZ

Festival afirma interesse por música instrumental

CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Com uma noite histórica, que marcou a volta do pianista Dom Salvador aos palcos do país após 30 anos, terminou na madrugada de domingo o 4º Chivas Jazz. Revelações e alta qualidade musical caracterizaram mais uma vez esse festival, que desde a primeira edição rejeita concessões à música pop.
A platéia que lotou o DirecTV Music Hall em São Paulo por quatro noites não conhecia todas as atrações, o que aumentou o impacto de alguns shows. Como o do veterano saxofonista Arthur Blythe, que surpreendeu com seu inusitado trio. Apoiado pela tuba ágil de Bob Stewart e pelos ritmos secos do baterista Cecil Brooks, Blythe conquistou a platéia com um jazz livre e minimalista.
Mais surpreendente ainda foi o frenético trio do pianista Jason Moran, responsável pelos momentos de experimentação mais radical. Chegou a utilizar vozes sampleadas como trilha para seus improvisos, que fundem elementos do jazz tradicional com a liberdade rítmica do "free jazz".
Sugerindo que essa concepção modernista pode ser aplicada a qualquer fonte, o pianista homenageou a música brasileira com uma personalíssima versão de "Maria Maria" (Milton Nascimento), ligando-a à italiana "Estate", hoje um "standard" do jazz graças a João Gilberto.
Modernidade e tradição também dialogaram nos shows de três veteranos. À frente da Electric Bebop Band, marcada pelos contrapontos de guitarras e saxofones, Paul Motian mostrou que a arritmia do "free jazz" pode conviver bem com o legado do jazz moderno. Liberdade também é uma premissa básica na estética do canadense Paul Bley, que em solo de piano exibiu sua original concepção de tempo, combinando lirismo e sutilezas rítmicas.
Igualmente originais foram os arranjos do Konitz-Talmor Nonet, que reuniu norte-americanos e brasileiros, com destaque para o sax alto do lendário Lee Konitz. Um dos pais do "cool jazz", ele comandou improvisos sobre composições próprias inspiradas em "standards" clássicos como "How High the Moon".
Mais clássico é o jazz da cantora Mary Stallings, seguidora de Carmen McRae e Dinah Washington, que abriu seu show com uma sofisticada versão de "Old Devil Moon" e rendeu tributo à MPB com a jobiniana "Dindi".
A única decepção ficou por conta do saxofonista Eric Alexander. Exibicionista em excesso, preferiu mostrar sua técnica em solos infestados de notas. Falta a ele a maturidade musical que Dom Salvador tem de sobra.
Emocionado, o músico paulista radicado nos EUA parecia decidido a mostrar numa única noite como suas originais fusões de samba e jazz evoluíram nas últimas três décadas, tocando composições próprias como a percussiva "Gafieira" e a delicada balada "Mariá". Além de seu quarteto, que destacou o sax do experiente jazzista Dick Oatts, Salvador contou com participações do cantor Ed Motta e de dois ex-integrantes do grupo Abolição: o trompetista Barrosinho e Serginho do Trombone.
Só por ter reapresentado Dom Salvador ao público brasileiro, o Chivas Jazz já teria justificado sua existência. Mas sua importância é bem mais ampla: mostra aos incrédulos que a música instrumental e o jazz têm um público bastante fiel no país.


Carlos Calado é autor de "O Jazz Como Espetáculo", entre outros livros


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