São Paulo, domingo, 03 de junho de 2007

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PRIMEIRO LUGAR

Chaplin enfrentou os temas mais ousados

HUGO POSSOLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Chapéu coco, bigode, bengala e andar marcado. Pronto. Não é preciso dizer mais nada. Todos temos a imagem de Carlitos na mente. E Charles Spencer Chaplin, que se auto-intitulava palhaço, fez de seu personagem um símbolo para a poesia do humor que superou o arquétipo clownesco que o originou. Todo palhaço representa um desajustado, mas a escolha do vagabundo é tão simples e significativa que só reforça a dimensão do gênio.
É um desafio escrever sobre Carlitos. Aqui, sou o palhaço terceiro-mundista que fala, com menos humor que deveria e uma reverência no limite do patético, como um católico versando sobre um crucifixo.
Então, mais que exaltar as já conhecidas qualidades de Carlitos, é preciso reforçar a importância do valor simbólico de seu humor para uma sociedade cada vez mais consumista. Uma grande contradição, pois posso arriscar que Carlitos foi o primeiro grande ícone da cultura de massas, tão conhecido quanto a Coca-Cola.
A grande percepção de Chaplin foi a de sintetizar nossa incapacidade de compreender quanto a sociedade urbana e industrial é excludente. O vagabundo, por instinto de sobrevivência, nos revela que a idéia de civilização é incompleta, pois alguns seres humanos ainda vivem pior que animais. Ele fez desse absurdo algo risível.
Carlitos não é apenas o pobre esperto que supera as autoridades, homens ricos e policiais com suas artimanhas. O vagabundo sabia para quem trabalhava. Agradava o público, mas não se submetia ao gosto médio, ao medíocre. Ao contrário, mantinha suas convicções e sempre deixava uma ponta de esperança. Caminhava por uma estrada, saltitando, mostrando que ainda existem outros caminhos, apesar de tudo.
Não à toa, mesmo sendo um grande empreendedor num país cuja cultura é empreendedora, sem estar ligado a nenhum partido, foi expulso pelo totalitário macarthismo da Guerra Fria. E como toda ironia fina, foi o comediante que melhor zombou do ridículo da tirania de Hitler.
Carlitos pode até derivar milhões de produtos -bonés, camisetas, pôsteres, bonequinhos. Mas seu criador não se vendeu. A essência de seu humor não temia o risco dos assuntos mais ousados.


HUGO POSSOLO é palhaço, dramaturgo e diretor do grupo Parlapatões e do Circo Roda Brasil


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