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PRIMEIRO LUGAR
Chaplin enfrentou os temas mais ousados
HUGO POSSOLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Chapéu coco, bigode,
bengala e andar marcado. Pronto. Não é preciso dizer mais nada. Todos temos a imagem de Carlitos na
mente. E Charles Spencer Chaplin, que se auto-intitulava palhaço, fez de seu personagem
um símbolo para a poesia do
humor que superou o arquétipo clownesco que o originou.
Todo palhaço representa um
desajustado, mas a escolha do
vagabundo é tão simples e significativa que só reforça a dimensão do gênio.
É um desafio escrever sobre
Carlitos. Aqui, sou o palhaço
terceiro-mundista que fala,
com menos humor que deveria
e uma reverência no limite do
patético, como um católico versando sobre um crucifixo.
Então, mais que exaltar as já
conhecidas qualidades de Carlitos, é preciso reforçar a importância do valor simbólico de
seu humor para uma sociedade
cada vez mais consumista. Uma
grande contradição, pois posso
arriscar que Carlitos foi o primeiro grande ícone da cultura
de massas, tão conhecido quanto a Coca-Cola.
A grande percepção de Chaplin foi a de sintetizar nossa incapacidade de compreender
quanto a sociedade urbana e industrial é excludente. O vagabundo, por instinto de sobrevivência, nos revela que a idéia de
civilização é incompleta, pois
alguns seres humanos ainda vivem pior que animais. Ele fez
desse absurdo algo risível.
Carlitos não é apenas o pobre
esperto que supera as autoridades, homens ricos e policiais
com suas artimanhas. O vagabundo sabia para quem trabalhava. Agradava o público, mas
não se submetia ao gosto médio, ao medíocre. Ao contrário,
mantinha suas convicções e
sempre deixava uma ponta de
esperança. Caminhava por
uma estrada, saltitando, mostrando que ainda existem outros caminhos, apesar de tudo.
Não à toa, mesmo sendo um
grande empreendedor num
país cuja cultura é empreendedora, sem estar ligado a nenhum partido, foi expulso pelo
totalitário macarthismo da
Guerra Fria. E como toda ironia fina, foi o comediante que
melhor zombou do ridículo da
tirania de Hitler.
Carlitos pode até derivar milhões de produtos -bonés, camisetas, pôsteres, bonequinhos. Mas seu criador não se vendeu. A essência de seu humor não temia o risco dos assuntos mais ousados.
HUGO POSSOLO é palhaço, dramaturgo e diretor do grupo Parlapatões e do Circo Roda Brasil
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