São Paulo, terça-feira, 03 de junho de 2008

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Retratados temem represálias

Perseguições sofridas no Iraque levaram refugiados a pedir que longa não seja exibido em países árabes

"A Chave da Casa", de Stela Grisotti e Paschoal Samora, segue palestinos desde suas últimas 48 horas em campo de Ruweished, na Jordânia

Divulgação
Rashida, 80, uma das cinco personagens do longa, em fase de finalização

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

No final do ano passado, 117 palestinos residentes no Iraque se asilaram no Brasil, depois de passar quase cinco anos no campo de refugiados de Ruweished, no deserto da Jordânia, onde estavam desde a invasão do Iraque pelos norte-americanos, em 2003.
"A Chave da Casa", documentário dirigido por Stela Grisotti e Paschoal Samora, em processo de finalização, registra a trajetória de cinco desses refugiados.
A primeira fase do filme, rodada em outubro, acompanha as últimas 48 horas dos personagens em Ruweished, antes do fechamento do campo.
Seis meses depois, Grisotti e Samora reencontraram os cinco personagens para documentar o seu processo de adaptação nas várias cidades brasileiras onde se instalaram.
O projeto original de Stela Grisotti, ganhador do prêmio Janela Brasil da TV Cultura, de apoio a documentários, era um filme sobre refugiados em geral. Ao saber dos palestinos iraquianos que viriam para o Brasil, os dois diretores resolveram fechar o seu foco em um punhado deles.
"Poderíamos, por meio da história desse grupo, abordar a situação dos 14 milhões de refugiados em todo o mundo e, em especial, dos palestinos, que constituem o maior contingente, com 4,3 milhões de pessoas", diz a jornalista e pesquisadora Grisotti, 44, ex-editora de telejornalismo da Rede Globo e da TV Cultura.
De acordo com o co-diretor Paschoal Samora, 40, que embarcou na aventura durante sua discussão no laboratório de projetos da produtora Mixer, os cinco escolhidos espelham o universo heterogêneo da diáspora palestina.
Do jovem estudioso de línguas Mohammed, que dá aulas de árabe em Florianópolis, à octogenária analfabeta Rashida, que vive em Venâncio Aires (RS), o grupo contempla as mais diversas trajetórias de vida.
"Todos hoje são meus grandes amigos, eles me ensinaram muito e foram muito generosos, independentemente do quanto era delicado para eles falar de suas próprias histórias", afirma Samora.

Temor
O medo de represálias contra parentes que permanecem no Iraque fez com que vários dos personagens relutassem em participar do documentário. Eles aparecem com nomes fictícios nesta reportagem e apenas dois concordaram em ter seus retratos divulgados.
O motivo do temor são as perseguições e hostilidades sofridas pelos palestinos em território iraquiano desde a invasão norte-americana.
Segundo Samora, o contrato que ele e sua co-diretora assinaram com a TV Cultura impede a exibição de "A Chave da Casa" em países árabes, por exigência dos retratados.
O compromisso dos realizadores com a TV Cultura é entregar um documentário de 52 minutos para exibição na emissora. Mas o filme deve crescer e se desdobrar.
"Avaliando o material bruto, penso que o "Chave" merece uma versão maior para tentar uma vida em festivais ou, quem sabe, nas salas do circuito digital", diz Samora.
De acordo com os diretores, na primeira fase das filmagens, ainda em Ruweished, os personagens demonstraram muita curiosidade sobre o Brasil, país que seria o seu destino por determinação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).
Hoje, espalhados por três Estados brasileiros, eles enfrentam as dificuldades de adaptação a um país tão diferente, com o apoio do Acnur e das comunidades árabes locais.
Em dois meses, deve nascer o primeiro rebento brasileiro dessa leva de refugiados, filho de Hussan e Fatma, que vivem em Mogi das Cruzes (SP).
Os diretores acompanharam a ultra-sonografia, mas não puderam filmá-la, por conta das convicções religiosas dos pais. No documentário, só o que aparece é a reação emocionada do casal ao saber que se trata de um menino.


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