São Paulo, quinta-feira, 03 de junho de 2010

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Governo fecha o cerco a entidade que recolhe direitos autorais

Projeto de lei que será submetido a consulta pública prevê fiscalização mais rígida do setor

MinC considera sistema "autocrático"; escritório que cuida de direitos da música define mudança como algo "panfletário"

Ilustração Fernando Real


ANA PAULA SOUSA
DE SÃO PAULO

No meio do caminho entre o leitor e todas as músicas tocadas no Brasil, há duas siglas. Até que sonoras: Ecad e MinC. Ecad é o Escritório Central de Arrecadação de Direitos. MinC é o Ministério da Cultura. Pois o MinC quer enquadrar o Ecad.
O Ecad recolheu, em 2009, R$ 318 milhões. A cifra foi paga por festas, restaurantes, hotéis, cinemas e shows que botaram música para tocar. Enquanto os valores da indústria fonográfica encolhem, os do Ecad inflam. No ano 2000, tinham sido arrecadados R$ 84 milhões.
"O Ecad se transformou num sistema autocrático. Eles são autores de milhões de processos na Justiça", diz Alfredo Manevy, secretário-executivo do MinC.
Manevy refere-se aos fiscais que se tornaram o terror dos donos de vários estabelecimentos que tocam música. "É uma entidade criada sob o mando militar, que funciona sem supervisão."
Por essas e outras, o Ecad tornou-se o principal alvo do novo projeto de lei do direito autoral que o MinC colocará em consulta pública, provavelmente, até o final deste mês. A nova lei prevê a fiscalização do Ecad e a criação de um comitê que possa, também, servir de árbitro nas questões do direito autoral.

MEDIADOR
"Queremos que o Estado funcione como mediador, diminuindo o número de ações do Ecad", diz Manevy. O formato do comitê será definido durante a consulta pública.
Em entrevista à Folha, a superintendente do Ecad, Glória Braga, disse, primeiro, que nada sabe do projeto. Depois, contra-atacou. "O poder judiciário não é a mediação do Estado? Mudar a lei em ano eleitoral é algo panfletário. O mercado da música é estabelecido no Brasil. O Ecad funciona."
Perguntada sobre o grande número de ações contra o Ecad e as CPIs que têm procurado averiguar irregularidades, Braga diz considerar "naturais" as queixas. "Quem você imagina que atenda tanta gente e não tenha reclamação?". A entidade representa cerca de 240 mil músicos. Quando o assunto são os músicos independentes, que reclamam jamais ver a cor do dinheiro do direito autoral -que só chegaria aos nomes mais tocados nas rádios e TVs-, ela diz: "O Ecad não é uma entidade de previdência social, só aufere o que é executado".
Chega-se, aqui, a outro ponto polêmico do sistema. De acordo com Samuel Barichello, do MinC, o Ecad não age de maneira clara e igualitária. "Eles arrecadam com um critério e distribuem com outro", diz. "Por isso se fala em caixa-preta. Queremos que publiquem as tarifas."
Braga, mais uma vez, contesta. Mas não chega a explicar: "Explicamos isso no Senado, na Assembleia, e explicaremos de novo. Não foi fácil criar esta estrutura".
Este ano, o Ecad passou a cobrar também pelas músicas utilizadas na internet. O primeiro resultado do recolhimento feito em sites deve ser divulgado em novembro.
"É uma máquina de guerra, que vive do litígio", diz o advogado Marcos Bitelli, que representa os donos de cinemas e as TVs por assinatura nas ações judiciais envolvendo a entidade. "Nunca houve qualquer tentativa de acordo da parte deles. Estabelecem um valor de forma unilateral, que não tem base financeira nenhuma e, por isso, entram em conflito com todos os agentes econômicos."


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