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Peixoto fez um "lamento feminino"
DA REPORTAGEM LOCAL
O cineasta Mário Peixoto (1908-1992) concluiu um único filme
("Limite", 1931), mas com ele garantiu status de mito nacional.
A curiosidade sobre o restante
de sua obra (inédita) e sua personalidade (considerada inextricável) poderá ser em parte satisfeita
no mês que vem, quando será lançado "Outono/O Jardim Petrificado" (Editora Aeroplano).
O título duplo é referência à
também dupla autoria do roteiro.
Peixoto foi convidado ao trabalho
pelo físico e cinéfilo Saulo Pereira
de Mello, 68, que buscava um parceiro em sua tentativa de passar
da teoria à prática do cinema. Pereira de Mello também guardava
a esperança de ver o diretor de
"Limite" voltar às câmeras.
A frustração do projeto irrealizado é para o físico uma dor antiga. "Foi uma coisa de juventude,
lembra o futuro aberto, esperança, planos... Hoje, sou um homem
velho, e essa lembrança é como a
de um filho que não nasceu", diz.
Numa introdução de 60 páginas, Pereira de Mello relata em
"Outono/O Jardim Petrificado",
as 14 noites daquele 1964 em que
ele e Peixoto elaboraram um roteiro "não propriamente com
uma história, mas com uma situação". Situação machadiana -a
iniciação amorosa descrita em
"Missa do Galo". A Conceição de
Machado de Assis transformou-se em Helena, enquanto o narrador, que no original "contava 17
anos", ganhou o nome de Abel.
Pereira de Mello diz que resistiu
à publicação do roteiro porque,
"sendo o menos aquinhoado pelo
Senhor", não queria que lhe atribuíssem "as coisas boas de Mário" ou a Mário, suas "bobagens".
Além de elogiar o amigo Peixoto e descrever seu método de trabalho, Pereira de Mello deixa entrever, na introdução, o que os
distanciava na concepção do roteiro:
"Mário marcou-o [o roteiro"
fortemente com sua presença,
principalmente na figura de Helena. Para mim, Helena era a educadora que modela Abel, que iria
determinar sua relação com as
mulheres: o filme deveria ser o
canto masculino da descoberta do
mistério do outro sexo, o feminino. Mário transformou-o na tragédia -no lamento feminino-
da mulher que fenece".
"Outono/O Jardim Petrificado"
tem apresentação de Walter Salles
e traz confissão do cineasta: "Durante alguns momentos de insanidade, cheguei a pensar em filmá-lo. Felizmente, voltei ao chão
a tempo. Não há como filmar esse
roteiro sem a genialidade de Mário Peixoto ou o saber "ver cinema" de Saulo Pereira de Mello".
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