São Paulo, terça-feira, 03 de julho de 2001

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Peixoto fez um "lamento feminino"

DA REPORTAGEM LOCAL

O cineasta Mário Peixoto (1908-1992) concluiu um único filme ("Limite", 1931), mas com ele garantiu status de mito nacional.
A curiosidade sobre o restante de sua obra (inédita) e sua personalidade (considerada inextricável) poderá ser em parte satisfeita no mês que vem, quando será lançado "Outono/O Jardim Petrificado" (Editora Aeroplano).
O título duplo é referência à também dupla autoria do roteiro. Peixoto foi convidado ao trabalho pelo físico e cinéfilo Saulo Pereira de Mello, 68, que buscava um parceiro em sua tentativa de passar da teoria à prática do cinema. Pereira de Mello também guardava a esperança de ver o diretor de "Limite" voltar às câmeras.
A frustração do projeto irrealizado é para o físico uma dor antiga. "Foi uma coisa de juventude, lembra o futuro aberto, esperança, planos... Hoje, sou um homem velho, e essa lembrança é como a de um filho que não nasceu", diz.
Numa introdução de 60 páginas, Pereira de Mello relata em "Outono/O Jardim Petrificado", as 14 noites daquele 1964 em que ele e Peixoto elaboraram um roteiro "não propriamente com uma história, mas com uma situação". Situação machadiana -a iniciação amorosa descrita em "Missa do Galo". A Conceição de Machado de Assis transformou-se em Helena, enquanto o narrador, que no original "contava 17 anos", ganhou o nome de Abel.
Pereira de Mello diz que resistiu à publicação do roteiro porque, "sendo o menos aquinhoado pelo Senhor", não queria que lhe atribuíssem "as coisas boas de Mário" ou a Mário, suas "bobagens".
Além de elogiar o amigo Peixoto e descrever seu método de trabalho, Pereira de Mello deixa entrever, na introdução, o que os distanciava na concepção do roteiro:
"Mário marcou-o [o roteiro" fortemente com sua presença, principalmente na figura de Helena. Para mim, Helena era a educadora que modela Abel, que iria determinar sua relação com as mulheres: o filme deveria ser o canto masculino da descoberta do mistério do outro sexo, o feminino. Mário transformou-o na tragédia -no lamento feminino- da mulher que fenece".
"Outono/O Jardim Petrificado" tem apresentação de Walter Salles e traz confissão do cineasta: "Durante alguns momentos de insanidade, cheguei a pensar em filmá-lo. Felizmente, voltei ao chão a tempo. Não há como filmar esse roteiro sem a genialidade de Mário Peixoto ou o saber "ver cinema" de Saulo Pereira de Mello".


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