São Paulo, sábado, 03 de julho de 2004

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LIVROS/LANÇAMENTOS

Stephen Kinzer reconta a história do primeiro golpe de Estado promovido pela agência no país, em 53

Jornalista relata operação da CIA no Irã

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O ódio visceral que muitos fundamentalistas islâmicos nutrem contra os Estados Unidos pode ser injustificável, mas não é incompreensível.
A perplexidade de muitos americanos diante do fenômeno ("por que eles nos odeiam tanto?") ou é produto de cínico jogo de cena (como o do presidente George W. Bush quando arrisca uma explicação simplória: "Eles odeiam a nossa liberdade") ou de sincera ignorância (a da maioria da população estadunidense, que paga honestamente seus impostos e acredita piamente viver num país dirigido sempre por líderes íntegros e leais aos valores supremos da nação, entre os quais está o respeito à liberdade).
Os americanos que conhecem um pouco de história não se surpreendem com o ressentimento de extremistas muçulmanos. Sabem que ele tem origens muito concretas e objetivas. Podem até ficar inconformados com os efeitos, mas entendem as causas.
É o caso do jornalista Stephen Kinzer, de quem a editora Bertrand Brasil acaba de lançar "Todos os Homens do Xá", a história do primeiro golpe de Estado promovido pela Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA), no Irã, em 1953.
Antes da deposição do premiê Mohamed Mossadegh, que tentava construir no Irã uma democracia liberal condizente com o melhor espírito dos fundadores da nação americana em 1776, os EUA quando desejavam realizar alterações de regime em outros países usavam suas Forças Armadas (como o fizeram no final do século 19 e início do 20 sucessivamente em Cuba, Porto Rico, Filipinas, República Dominicana, Haiti e Nicarágua).
Durante a Guerra Fria, o instrumento utilizado foi a CIA, que o presidente Harry Truman havia resguardado de fazer ações desse tipo, mas que foi escolhida pelo presidente Dwight Eisenhower para realizar a Operação Ajax no Irã, 51 anos atrás.
O sucesso da Operação Ajax levou a tentativas similares (algumas bem-sucedidas, outras não) em Cuba, Congo, Guatemala, Vietnã, Chile e diversos outros países. No século 21, sob a administração Bush, Washington parece ter voltado a dar preferência à ação militar direta quando acha que um chefe de governo estrangeiro deve ser retirado do poder.
Kinzer, experiente jornalista do diário "The New York Times", formado nos tempos em que esse jornal não tinha sua credibilidade posta em dúvida como agora, depois de muitos de seus repórteres terem servido de instrumento de fontes militares e governamentais durante a ocupação do Iraque, faz um relato fascinante do golpe que levou ao poder o xá Reza Pahlevi.
As ações foram lideradas pelo agente da CIA Kermit Roosevelt, neto do presidente Theodore Roosevelt (que ordenou muitas invasões de países do Caribe no início do século 20), num ambiente que mais parecia de novela de espionagem do que de realidade política.
Elas são descritas por Kinzer num estilo agradável e sereno, de modo documentado e factual, numa prova de que não é preciso adotar o tom espalhafatoso e panfletário de Michael Moore para denunciar ações imperialistas dos EUA. Ao contrário, as acusações -quando embasadas em provas e desprovidas de adjetivação- só ganham força e credibilidade.
Além de expor os fatos da Operação Ajax, Kinzer argumenta em favor da hipótese de que se pode traçar uma linha direta entre aquela agressão contra o governo democraticamente eleito de Mossadegh e os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001.
Talvez seja um exagero chegar a tal conclusão, mas só por ela deixar de lado diversos outros elementos da política americana em relação ao Oriente Médio que, todos juntos, sim, são suficiente para explicar a motivação de milhares de radicais dispostos a sacrificar a vida para desferir um golpe contra os Estados Unidos.
Os 25 anos de opressão que o xá impôs à sociedade iraniana, sem dúvida nenhuma, levaram à revolução xiita que instaurou a teocracia comandada pelo aiatolá Khomeini e que inspirou diversos grupos islâmicos.
Mas não foi só isso. Foi o apoio decidido de Washington a diversos outros governos totalitários, como os da Arábia Saudita, do Kuwait e até mesmo o de Saddam Hussein no Iraque. Foi ainda o suporte ostensivo de diversas administrações americanas a todo tipo de destempero de muitos líderes de Israel em sua infindável luta contra os palestinos. Foi o auxílio substancial oferecido pela Casa Branca a grupos fundamentalistas que combatiam a invasão soviética no Afeganistão e que por fim criaram o regime Taleban naquele país.
Em suma, foi uma sistemática história de intervenções -veladas ou ostensivas- quase sempre motivadas pela lógica da Guerra Fria ou de interesses estratégicos vinculados à exploração de petróleo e que nunca levaram em consideração o bem-estar da população dos países atingidos.
Foi essa atitude de sucessivos governos dos Estados Unidos em relação ao Oriente Médio a partir da Segunda Guerra que destruiu a imagem positiva desfrutada pelos americanos durante o século 19 e início do século 20 (como descreve Kinzer), quando bem-intencionados educadores fundaram instituições como as Universidades Americanas de Beirute e Cairo, o Roberts College em Istambul e o Alborz College em Teerã.
Nessas escolas, transmitiam-se os grandes valores da democracia americana. Por esse meio, talvez tivesse sido possível lançar as bases para a promoção de regimes políticos sustentados pela liberdade. Não será pela via da intervenção armada e da imposição de governantes ilegítimos (como o atual premiê iraquiano, curiosamente um ex-agente da CIA) que se construirão regimes democráticos no Oriente Médio.


Carlos Eduardo Lins da Silva, 51, jornalista, é diretor da Patri Relações Governamentais e Políticas Públicas

Todos os Homens do Xá
   
Autor: Stephen Kinzer
Editora: Bertrand Brasil
Quanto: R$ 39 (288 págs.)



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