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LIVROS/LANÇAMENTOS
Stephen Kinzer reconta a história do primeiro golpe de Estado promovido pela agência no país, em 53
Jornalista relata operação da CIA no Irã
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
O ódio visceral que muitos
fundamentalistas islâmicos
nutrem contra os Estados Unidos
pode ser injustificável, mas não é
incompreensível.
A perplexidade de muitos americanos diante do fenômeno
("por que eles nos odeiam tanto?") ou é produto de cínico jogo
de cena (como o do presidente
George W. Bush quando arrisca
uma explicação simplória: "Eles
odeiam a nossa liberdade") ou de
sincera ignorância (a da maioria
da população estadunidense, que
paga honestamente seus impostos e acredita piamente viver num
país dirigido sempre por líderes
íntegros e leais aos valores supremos da nação, entre os quais está
o respeito à liberdade).
Os americanos que conhecem
um pouco de história não se surpreendem com o ressentimento
de extremistas muçulmanos. Sabem que ele tem origens muito
concretas e objetivas. Podem até
ficar inconformados com os efeitos, mas entendem as causas.
É o caso do jornalista Stephen
Kinzer, de quem a editora Bertrand Brasil acaba de lançar "Todos os Homens do Xá", a história
do primeiro golpe de Estado promovido pela Agência Central de
Inteligência dos EUA (CIA), no
Irã, em 1953.
Antes da deposição do premiê
Mohamed Mossadegh, que tentava construir no Irã uma democracia liberal condizente com o melhor espírito dos fundadores da
nação americana em 1776, os
EUA quando desejavam realizar
alterações de regime em outros
países usavam suas Forças Armadas (como o fizeram no final do
século 19 e início do 20 sucessivamente em Cuba, Porto Rico, Filipinas, República Dominicana,
Haiti e Nicarágua).
Durante a Guerra Fria, o instrumento utilizado foi a CIA, que o
presidente Harry Truman havia
resguardado de fazer ações desse
tipo, mas que foi escolhida pelo
presidente Dwight Eisenhower
para realizar a Operação Ajax no
Irã, 51 anos atrás.
O sucesso da Operação Ajax levou a tentativas similares (algumas bem-sucedidas, outras não)
em Cuba, Congo, Guatemala,
Vietnã, Chile e diversos outros
países. No século 21, sob a administração Bush, Washington parece ter voltado a dar preferência
à ação militar direta quando acha
que um chefe de governo estrangeiro deve ser retirado do poder.
Kinzer, experiente jornalista do
diário "The New York Times",
formado nos tempos em que esse
jornal não tinha sua credibilidade
posta em dúvida como agora, depois de muitos de seus repórteres
terem servido de instrumento de
fontes militares e governamentais
durante a ocupação do Iraque, faz
um relato fascinante do golpe que
levou ao poder o xá Reza Pahlevi.
As ações foram lideradas pelo
agente da CIA Kermit Roosevelt,
neto do presidente Theodore
Roosevelt (que ordenou muitas
invasões de países do Caribe no
início do século 20), num ambiente que mais parecia de novela de
espionagem do que de realidade
política.
Elas são descritas por Kinzer
num estilo agradável e sereno, de
modo documentado e factual, numa prova de que não é preciso
adotar o tom espalhafatoso e panfletário de Michael Moore para
denunciar ações imperialistas dos
EUA. Ao contrário, as acusações
-quando embasadas em provas
e desprovidas de adjetivação- só
ganham força e credibilidade.
Além de expor os fatos da Operação Ajax, Kinzer argumenta em
favor da hipótese de que se pode
traçar uma linha direta entre
aquela agressão contra o governo
democraticamente eleito de Mossadegh e os atentados terroristas
de 11 de setembro de 2001.
Talvez seja um exagero chegar a
tal conclusão, mas só por ela deixar de lado diversos outros elementos da política americana em
relação ao Oriente Médio que, todos juntos, sim, são suficiente para explicar a motivação de milhares de radicais dispostos a sacrificar a vida para desferir um golpe
contra os Estados Unidos.
Os 25 anos de opressão que o xá
impôs à sociedade iraniana, sem
dúvida nenhuma, levaram à revolução xiita que instaurou a teocracia comandada pelo aiatolá Khomeini e que inspirou diversos
grupos islâmicos.
Mas não foi só isso. Foi o apoio
decidido de Washington a diversos outros governos totalitários,
como os da Arábia Saudita, do
Kuwait e até mesmo o de Saddam
Hussein no Iraque. Foi ainda o suporte ostensivo de diversas administrações americanas a todo tipo
de destempero de muitos líderes
de Israel em sua infindável luta
contra os palestinos. Foi o auxílio
substancial oferecido pela Casa
Branca a grupos fundamentalistas que combatiam a invasão soviética no Afeganistão e que por
fim criaram o regime Taleban naquele país.
Em suma, foi uma sistemática
história de intervenções -veladas ou ostensivas- quase sempre motivadas pela lógica da
Guerra Fria ou de interesses estratégicos vinculados à exploração
de petróleo e que nunca levaram
em consideração o bem-estar da
população dos países atingidos.
Foi essa atitude de sucessivos
governos dos Estados Unidos em
relação ao Oriente Médio a partir
da Segunda Guerra que destruiu a
imagem positiva desfrutada pelos
americanos durante o século 19 e
início do século 20 (como descreve Kinzer), quando bem-intencionados educadores fundaram
instituições como as Universidades Americanas de Beirute e Cairo, o Roberts College em Istambul
e o Alborz College em Teerã.
Nessas escolas, transmitiam-se
os grandes valores da democracia
americana. Por esse meio, talvez
tivesse sido possível lançar as bases para a promoção de regimes
políticos sustentados pela liberdade. Não será pela via da intervenção armada e da imposição de governantes ilegítimos (como o
atual premiê iraquiano, curiosamente um ex-agente da CIA) que
se construirão regimes democráticos no Oriente Médio.
Carlos Eduardo Lins da Silva, 51, jornalista, é diretor da Patri Relações Governamentais e Políticas Públicas
Todos os Homens do Xá
Autor: Stephen Kinzer
Editora: Bertrand Brasil
Quanto: R$ 39 (288 págs.)
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