São Paulo, domingo, 03 de julho de 2005

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CRÍTICA

Das diferenças entre ler e ver televisão

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Deu no jornal esses dias: os brasileiros despendem 18,4 horas assistindo à televisão por semana e apenas 5,2 horas com leitura no mesmo período. Os dados são de uma pesquisa que avaliou e comparou os hábitos em relação à mídia em 30 países.
Se serve de algum consolo, os brasileiros não estão sozinhos. No mundo inteiro, a leitura é a atividade relacionada à aquisição de informações que menos toma o tempo das pessoas. A tendência global é clara: a televisão, que consome 16,6 horas semanais, ganha de longe do rádio (8) e da leitura (6,5) e, ainda, do computador/internet (8,9).
Não deveria constituir uma surpresa o fato de que se lê menos do que se vê televisão, mas ainda assim os números parecem meio chocantes. Mesmo entre aqueles que mais dedicam tempo à leitura, os índices parecem reduzidos. Os três primeiros colocados no "ranking" de leitores não chegam a ler por dia mais do que uma hora: indianos, com 10,7 horas/semana, tailandeses, com 9,4, e chineses, com 8.
Enquanto isso, em relação à televisão, apenas em cinco dos 30 países pesquisados se vê menos de duas horas por dia: Austrália (13,3 horas/semana), Suécia (13,3), Índia (12,3), Venezuela (11,9) e México (11,6). Sacrificando um pouco a precisão, pode-se dizer que no mundo todo a televisão ocupa o dobro do tempo na vida das pessoas do que a leitura.
Não é difícil de entender o porquê, na verdade, mas vale se deter um pouco nas diferenças entre ler e assistir à TV.
A leitura é uma atividade solitária, em todos os sentidos. Requer silêncio e concentração do leitor, mas para, além disso, o que se lê é (quase sempre) uma escolha individual e pessoal. O "quase sempre" vai por conta dos fenômenos modernos tipo "O Código Da Vinci" e os livros da série "Harry Potter", que "coletivizam" a experiência da leitura em escala global -é uma suposição apenas, mas parte do sucesso desses best-sellers deve vir do fato de que eles tornam a experiência de leitura mais coletiva.
Tudo o que se alega contra ler -dificuldade de concentração, de entendimento, aridez, falta de tempo e paciência, chatice- remete um pouco à idéia de que a leitura exige um comprometimento, um engajamento do sujeito com aquilo que se lê, se pensa e se sente, por conseqüência. E, se, ainda por cima, pensarmos que esse engajamento se dá numa relação íntima, a dois -apenas o leitor e o texto, pelo menos no momento da leitura -, talvez tenhamos uma pista aí.
A TV, não. A TV é povoada e, ainda que falsamente, dá a impressão de inserir o sujeito numa comunidade. Não deixa o espectador com a angústia de escolher e sustentar sua escolha é só se deixar levar por aquilo que está sendo exibido e partilhado tanto com a "audiência", que se sabe ou se adivinha ou até mesmo está representada (nos programas de auditório, por exemplo), como com todos aqueles sujeitos do "lado de dentro", ou seja, os que fazem a TV.


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