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CRÍTICA FICÇÃO
Coletânea de contos faz uso sofisticado da indefinição
Escritas por Aníbal Machado, histórias registram avanço urbano no Brasil
MARCELO PEN
ESPECIAL PARA A FOLHA
Autor bissexto que teve
importante atuação na cena
literária e teatral brasileira,
Aníbal Machado (1894-1964)
ficou mais conhecido por alguns dos contos reunidos
neste volume fundido e refundido durante as décadas
de 1940 e 50.
Dado o amplo período de
produção -a maior parte dos
contos começou a ser escrita
nos anos 1930-, o conjunto
mostra, a despeito da qualidade, fatura desigual tanto
nos resultados obtidos quanto na proposta artística.
O realismo está mais marcado em alguns e há busca
por uma figuração mais onírica e alucinatória em outros.
No plano do conteúdo, evidencia-se o mote da transformação das cidades brasileiras já apontado por vários
críticos, cujo símbolo maior é
o surgimento dos "arranha-céus" (as aspas são importantes para entendermos que
esses edifícios tinham, então, por volta de 12 andares).
Do ponto de vista formal,
há uma interessante tendência de muitas histórias conterem um fator de indefinição.
Esse "diluir-se na bruma",
para pegar a expressão do
conto "O Iniciado do Vento",
faz com que a maioria das
narrativas, até mesmo as de
feitio mais realista, revelem
em pelo menos algum ponto
certo aspecto misterioso, vago, irresoluto.
Assim, em "O Iniciado",
não se sabe o que afinal sucede com Zé da Curva nem, em
"O Ascensorista", as reais circunstâncias do crime de morte em que se envolveu o protagonista.
Ou ainda quem é o enigmático personagem que fala
latim no meio do sertão em
"Viagem aos Seios de Duília"
ou se Ataxerxes enviou mesmo o telegrama que tanto o
obseda em "O Telegrama de
Ataxerxes".
A maneira com que Aníbal
Machado introduz essa indefinição (ou espalha as brumas sobre sua narrativa, para seguir com a metáfora) é
bastante sofisticado e, paradoxalmente, faz com que a
história, em vez de sofrer
com isso, torne-se mais rica e
matizada.
CIÚMES
É por essa razão que o conto "A Morte da Porta-Estandarte", por exemplo, não ficou datado mesmo com um
começo que parece investir
em velhos preconceitos sociais e raciais ao focar a história de um negro louco de ciúmes pela namorada durante
o Carnaval.
Ao inserir os personagens
dos estrangeiros e, a partir
daí, deliberadamente tirar o
foco do assassino e do assassinato para percorrer diversos outros pontos de vista enganados e enganosos, o autor transforma o que poderia
ser um mero retrato um tanto
simplista da realidade num
quadro nuançado, que sugere interpretações mais amplas, tanto psicológicas
quanto sociais.
MARCELO PEN é professor de teoria
literária da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da USP
A MORTE DA PORTA-ESTANDARTE TATI, A
GAROTA E OUTRAS
HISTÓRIAS
AUTOR Aníbal Machado
EDITORA José Olympio
QUANTO R$ 40 (320 págs.)
AVALIAÇÃO bom
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