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Mônica Bergamo
bergamo@folhasp.com.br
Sem sinal
Rafael Andrade - 12.nov.2010/Folhapress
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Bia Lessa em sua casa, no Rio
O Brasil possui mais linhas de telefone celular do que habitantes, mas ainda tem gente, das mais requisitadas, que resiste a ficar acessível
O escritor Luis Fernando
Verissimo "ouviu dizer" que
a próxima invenção será um
telefone celular que "faz cafezinho". Milton Hatoum
descobriu recentemente que
alguns aparelhos permitem
acessar a internet. João Ubaldo Ribeiro brinca: "Tem todo
tipo de vigarista pedindo dinheiro pelo celular. Evito".
Maria Bethânia reclama
porque não consegue encontrar a diretora artística de
seus shows, Bia Lessa, na hora em que precisa. "Digo para
ela ficar tranquila, sempre
vou estar por perto. Não exatamente quando ela quer,
mas um pouco depois", conta Bia, que se junta ao grupo
dos que se recusam a ter um
telefone celular.
Caetano Veloso nunca
teve celular. E diz que só sente falta quando marca programa com um dos três filhos. Com o aparelho, ficaria
mais seguro de não se desencontrarem. "Mas na hora dá
tudo certo", diz ele à repórter
Thais Bilenky.
"Pra mim, não existe",
afirma o ator Lima Duarte.
"Não falo [por telefone] nem
com os autores de novela.
Trabalho na Globo. Recebo
muito pedido de entrevista.
Se atender a todos os telefonemas, não faço mais nada."
Os colegas também importunam. "Quando estou gravando novela de elenco grande,
de diretor muito chato, ficam
me ligando: [perguntam] "Escuta, aquela fala vai ser assim mesmo?"."
O Brasil tem mais linhas de telefones móveis do
que habitantes. Em maio, o
país chegou à marca de 215
milhões de contas para uma
população de 194 milhões de
habitantes, de acordo com a
Anatel (Agência Nacional de
Telecomunicações).
Os que estão na "contramão" da história dizem que
preferem manter a privacidade. João Ubaldo vai além: ele
tem duas linhas de telefone
fixo em casa. Só dá o número
de uma delas para os mais
chegados. Quando a outra toca, atende se der na telha.
Outro dia, atendeu "um garçom que diz ter me servido
por anos num restaurante
que nunca frequentei, que
nem sei onde fica". O que ele
gosta mesmo é do Skype, já
que passa o dia inteiro na
frente do computador. "E
não tem que pagar."
Amigos de Caetano nem
sempre o encontram em casa
quando aparecem de surpresa à noite, antes de ir para a
balada. Acabam ficando sem
sua companhia. O músico
Jorge Mautner, entusiasta do
celular, conta que, para marcar um programa com Caetano, "tenho sempre a preocupação de ligar na casa dele
antes", para não se desencontrarem.
A diretora Bia Lessa, que
também dirige shows de Vanessa da Mata, Ana Carolina
e Margareth Menezes, já teve
quase 15 aparelhos. Perdeu
todos. Família, amigos e funcionários têm sempre à mão
telefones de sua casa, da produtora, de seu dentista e da
academia onde ela faz pilates. Só assim para localizá-la.
Dentro de um táxi, há
cerca de três anos, Bia estava
a caminho do aeroporto de
Congonhas, com o livro "Verdade Tropical", de Caetano
Veloso, aberto no colo. "Pensei: "Gente, não quero esse
negócio [o celular] pra
mim"." Ela se desfez do telefone e nunca mais teve um.
Recentemente, numa viagem
curta, levou dois aparelhos
para emergências. Em 12 horas, perdeu os dois.
Para João Ubaldo, vencedor do Prêmio Camões
2008 e membro da ABL (Academia Brasileira de Letras),
"as pessoas desenvolvem necessidade sem necessidade".
"Tenho certeza de que, no
dia em que tiver celular e
usar, vou passar a precisar
desesperadamente."
Verissimo, 74, fala que
chegou à idade em que "toda
novidade tecnológica é uma
espécie de afronta". Sua resistência ao celular "só aumenta". Mas quando a coisa
aperta e ele precisa falar com
alguém da rua, fila o de sua
mulher, Lúcia, "como antigamente se filava cigarro".
Hatoum chegou a dar o
número do celular de sua
mulher, Ruth Lanna, a duas
ou três pessoas. Arrependeu-se. "Ela reclama." Já João
Ubaldo não sabe o número
de Berenice, com quem é casado. E Lima Duarte, que mora em Indaiatuba (SP) e trabalha no Rio, passa grande
parte do tempo em trânsito.
O celular do motorista é o que
salva a família.
Num escritório em Pinheiros, sem telefone nem
internet, Hatoum está quase
acabando seu romance "O
Lugar Mais Sombrio" (nome
provisório). Não checa e-mails diariamente. "As pessoas são muito ansiosas.
Mandam duas, três vezes a
mesma mensagem. Um dia
ainda saio da rede", promete.
"Uso muito orelhão. E tem
gente que nem sabe que isso
ainda existe!"
O escritor, que ganhou
três vezes o Prêmio Jabuti,
diz que tira proveito da mania pelo celular. "Gosto de
ouvir conversa dos outros. Se
for picante, melhor ainda."
Algumas vão parar em suas
crônicas. "Já ouvi relatos dramáticos de separação, confidências amorosas, perda de
emprego, briga. Eu sei que é
pecado, mas não sou beato,
nem candidato."
O ex-primeiro-ministro
Tony Blair não teve celular
na década em que comandou
o Reino Unido (1997-2007).
Sua mulher, Cherie, contou à
coluna, quando esteve no
Brasil, em 2010, que, como
suas ligações tinham que ser
monitoradas, ele não tinha linha própria. Ao deixar o governo, providenciou uma. E
mandou torpedo a uma jornalista: "Oi, tudo bem?".
Acostumado a dispensar
apresentações, ficou pasmo
com a resposta: "Quem está
falando?".
O cineasta português
Manoel de Oliveira, 102, contou certa vez a Lima Duarte,
81, uma "história maravilhosa", segundo o ator, que resume a "chateação" que é a
telefonia móvel. Dois homens conversavam na avenida Paulista. Incomodados
com o ruído dos carros, resolveram sacar o celular para
conversar "cara a cara". A
história acabou virando um
curta-metragem.
CAETANO VELOSO
"Quando combino
algo com meus
filhos, acho que
seria bom ter
celular, mas na
hora dá certo"
MILTON HATOUM
"Tem gente
que nem sabe
que orelhão
ainda existe!"
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