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CINEMA/ESTRÉIAS
"ZAZIE NO METRÔ"
Diretor ambíguo caminha na fronteira entre o polemismo contestatório e o diletantismo burguês
Longa de Malle incorpora espírito infantil
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Para justificar o comportamento de sua sobrinha,
criança desbocada e desobediente, o personagem de Phillippe
Noiret em "Zazie no Metrô" se sai
com esta: "É a nouvelle vague".
O termo não se restringia, então, a um movimento cinematográfico, mas designava toda uma
(nova) geração. Amoral e infantilista, aversa à hipocrisia habitual
de seus pais, essa geração parecia
desconhecer limites. Incapaz de
compreender a falta de respeito
desses jovens, a velha geração de
humanistas do pré-guerra logo
passou a dizer que a França padecia de um "mal da juventude".
É esse espírito indomável (o "espírito da infância") que a Zazie de
Louis Malle incorpora. Tão livre
quanto a protagonista do filme,
uma criança impossível, é o estilo
adotado pelo diretor.
Pode-se acusar Malle de ter sido
um mero caroneiro na nova onda
que assolou o cinema francês: ele
não pertencia à turma da revista
"Cahiers du Cinéma", de onde
veio o núcleo do movimento, e
nem mesmo é considerado, em
razão de sua diversidade temática
e estilística, um verdadeiro autor
de cinema.
Mas a verdade é que os primeiros filmes de Malle só não são
mais representativos da época do
que os de Godard. Ao contrário
de Truffaut (com quem, aliás, trocou mútuas acusações de arrivismo), Malle foi o que se costuma
chamar de "um artista de seu
tempo", ainda que caminhasse
sempre na fronteira entre o polemismo contestatório e o diletantismo burguês. A ambiguidade
era mesmo o seu dom.
No neoburlesco anárquico de
"Zazie no Metrô", adaptação de
romance de Raymond Queneau
que muitos consideravam inadaptável, Malle não se detém na
nova geração senão para mostrá-la como fruto aberrante da (cada
vez mais) caótica vida moderna.
Se Queneau, em seu livro, segue
os passos de Alfred Jarry, Malle,
em sua adaptação, faz jus às experimentações formais do romancista, seguindo os passos de Godard e Jacques Tati.
De Godard, Malle toma as rupturas de tom e o sentido de uma
modernidade descontínua e, de
Tati, a percepção burlesca e essencialmente sonora de uma modernidade patética. De Malle, há esses "movimentos de mundo" que
lhe são característicos e nos quais
seus personagens deixam-se
abandonar como num sonho.
Não por acaso, o único momento em que Zazie está, de fato, no
metrô, ela dorme (e nem se dá
conta). O sonho de "Zazie no Metrô" é um vaticínio: o curto-circuito de gags ligeiras do filme, em
que o espectador às vezes se perde, produziu uma centelha visionária -sequência que prenuncia
os confrontos de maio de 68.
Confrontos que seriam, mais
tarde, tema de "Loucuras de uma
Primavera" (1990), outra comédia
(malsucedida) de Malle. O cineasta, ao contrário de Godard, continuava fiel, em sua ironia, à falta de
engajamento político que marcara os primeiros anos da geração.
Zazie no Metrô
Zazie dans le Métro
Direção: Louis Malle
Produção: França, 1960
Com: Philippe Noiret, Vittorio Caprioli,
Yvonne Clech e Hubert Deschamps
Quando: a partir de hoje no Top Cine
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