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DISCOS
Série de 12 obras repõe clássicos da música black nacional
Samba & soul safras 60 e 70
Jorge Ben, Cassiano, Hyldon, Gerson King Combo, Lady Zu e União Black têm títulos reeditados
DA REPORTAGEM LOCAL
Bombardeada pela pirataria e pelo encolhimento assustador do mercado de CDs, a
indústria fonográfica exibe sinais
de "retroceder" à preocupação
com a qualidade. A Universal dá
partida, iniciando a série "Universal Remasters" por 12 títulos sob o
apelido de "Samba & Soul".
O projeto de memória é diferente das séries de coletâneas e "dois
em um" que vinham infestando
as lojas por alguns motivos: preserva o formato gráfico e conceitual original dos discos, investe na
qualidade de reedição e pretende
se aproximar, em certa medida,
do mercado mais popular.
O preço é semi-acessível -segundo a gravadora, cada CD custará de R$ 18 a R$ 20-, e a seleção, feita pelo titã Charles Gavin,
aposta na reputação popular da
black dos anos 70 no Brasil, hoje
gozando de relativa revalorização.
Tudo começa pela raiz do que
na década de 70 se tornaria um
caldeirão de fusões entre samba,
bossa nova, jazz, rhythm'n'blues,
soul, funk e, mais adiante, discothèque: os três álbuns iniciais do
carioca Jorge Ben (hoje Ben Jor),
definidor, com Wilson Simonal,
de novos rumos para o samba e
para o orgulho negro no Brasil.
"Samba Esquema Novo" (63)
inicia a história toda, com uma
inédita batida de violão (isso, veja
só, cinco anos depois do advento
de João Gilberto) e uma quase fanhosa voz negra que proferia versos de ousado surrealismo, como
os dos imediatos sucessos "Mas
Que Nada" e "Chove Chuva".
"Sacundin Ben Samba" e "Ben É
Samba Bom", ambos de 64, intensificavam essa nova filosofia e virariam com o passar dos anos referências fortes no ambiente sempre marginalizado e isolado socialmente de gafieiras, bailes
black e salões de samba-rock.
Abrupto, o corte leva a "África-Brasil" (76), de quando Jorge trocara o violão pela guitarra e, em
plena erupção (marginal) do
samba-rock de Bebeto e outros
chapas, pegava pesado em funks,
sambas e rocks suingados como
"Ponta de Lança Africano (Umbabarauma)" e "África-Brasil
(Zumbi)". É um dos mais importantes álbuns de Ben, e da MPB.
De Jorge, a coleção viaja à soul
music de Cassiano e Hyldon, fundadores do gênero no Brasil com
Tim Maia, lá pelo final dos 60. A
coleção pega a adesão da Philips
(nome da Universal à época) ao
gênero, no interiorano "Na Rua,
na Chuva, na Fazenda..." (75), do
baiano Hyldon, e do carioca/cubano "Cuban Soul - 14 Kilates"
(76), do paraibano Cassiano.
É período de vigor da emotividade, seja pelas baladas tristes de
Hyldon (a faixa-título, "As Dores
do Mundo") ou pelo soul rascante
e doído de Cassiano ("Coleção",
"A Lua e Eu"), tão estranhos à rápida assimilação quanto bem-sucedidas comercialmente à época.
O comboio black da gravadora
se dirigia, a partir daí, ao funk de
condimento bem carioca, capitaneado pela banda União Black
("União Black", 77) e por Gerson
King Combo. Voltam, enfim, os
dois LPs de Gerson, "Gerson King
Combo" (77) e "Volume 2" (78),
expoentes de uma fusão casadoura entre o kitsch e o convite ao balanço dos pequenos hits periféricos "Funk Brother Soul", "Mandamentos Black" e "Good Bye".
Antes de mudar de onda, a Philips ainda aderiria à disco music,
lançando dois LPs da breve diva
pop Lady Zu ("A Noite Vai Chegar", 78, e "Fêmea Brasileira", 79).
Ignorada pela cultura oficial, ela
sacudia pistas em 77/78 com "A
Noite Vai Chegar" e "Só Você
(Por Você, Sem Você)". No segundo disco avisava que, sim, estava interessada em MPB (dividia
"Boneca de Piche", de Ary Barroso, com Luis Vagner) e na mais
pesada black music. Vem daí o
manifesto "Hora de União", cantado com Totó; "é a vez do samba-soul", proclamava a dupla suingada, num manifesto pela fusão.
Sem ser completa, a coleção
"Samba & Soul" conta uma história compacta, pode-se perceber
-e isso também é novo no atual
momento da indústria musical.
Um adendo fica por conta do
capixaba Sérgio Sampaio, em "Eu
Quero É Botar Meu Bloco na
Rua..." (73). Próximo de Raul Seixas, ele tinha pouco de samba, nada de soul. Mas quem há reclamar
da reedição, perdida aqui no
meio, de um dos hinos mais populares da resistência ao regime
militar (a faixa-título) e de sua
música marginal e antipopulista?
O fantasma de Sérgio, morto
precocemente e no esquecimento, ronda a coleção para demonstrar que o pop era (e é) uma hidra
de incontáveis cabeças. Não é
mesmo, senhoras gravadoras?
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Samba & Soul
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 20, em média, cada CD
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