São Paulo, sexta-feira, 03 de agosto de 2001

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DISCOS

Série de 12 obras repõe clássicos da música black nacional

Samba & soul safras 60 e 70

Jorge Ben, Cassiano, Hyldon, Gerson King Combo, Lady Zu e União Black têm títulos reeditados

DA REPORTAGEM LOCAL

Bombardeada pela pirataria e pelo encolhimento assustador do mercado de CDs, a indústria fonográfica exibe sinais de "retroceder" à preocupação com a qualidade. A Universal dá partida, iniciando a série "Universal Remasters" por 12 títulos sob o apelido de "Samba & Soul".
O projeto de memória é diferente das séries de coletâneas e "dois em um" que vinham infestando as lojas por alguns motivos: preserva o formato gráfico e conceitual original dos discos, investe na qualidade de reedição e pretende se aproximar, em certa medida, do mercado mais popular.
O preço é semi-acessível -segundo a gravadora, cada CD custará de R$ 18 a R$ 20-, e a seleção, feita pelo titã Charles Gavin, aposta na reputação popular da black dos anos 70 no Brasil, hoje gozando de relativa revalorização.
Tudo começa pela raiz do que na década de 70 se tornaria um caldeirão de fusões entre samba, bossa nova, jazz, rhythm'n'blues, soul, funk e, mais adiante, discothèque: os três álbuns iniciais do carioca Jorge Ben (hoje Ben Jor), definidor, com Wilson Simonal, de novos rumos para o samba e para o orgulho negro no Brasil.
"Samba Esquema Novo" (63) inicia a história toda, com uma inédita batida de violão (isso, veja só, cinco anos depois do advento de João Gilberto) e uma quase fanhosa voz negra que proferia versos de ousado surrealismo, como os dos imediatos sucessos "Mas Que Nada" e "Chove Chuva".
"Sacundin Ben Samba" e "Ben É Samba Bom", ambos de 64, intensificavam essa nova filosofia e virariam com o passar dos anos referências fortes no ambiente sempre marginalizado e isolado socialmente de gafieiras, bailes black e salões de samba-rock.
Abrupto, o corte leva a "África-Brasil" (76), de quando Jorge trocara o violão pela guitarra e, em plena erupção (marginal) do samba-rock de Bebeto e outros chapas, pegava pesado em funks, sambas e rocks suingados como "Ponta de Lança Africano (Umbabarauma)" e "África-Brasil (Zumbi)". É um dos mais importantes álbuns de Ben, e da MPB.
De Jorge, a coleção viaja à soul music de Cassiano e Hyldon, fundadores do gênero no Brasil com Tim Maia, lá pelo final dos 60. A coleção pega a adesão da Philips (nome da Universal à época) ao gênero, no interiorano "Na Rua, na Chuva, na Fazenda..." (75), do baiano Hyldon, e do carioca/cubano "Cuban Soul - 14 Kilates" (76), do paraibano Cassiano.
É período de vigor da emotividade, seja pelas baladas tristes de Hyldon (a faixa-título, "As Dores do Mundo") ou pelo soul rascante e doído de Cassiano ("Coleção", "A Lua e Eu"), tão estranhos à rápida assimilação quanto bem-sucedidas comercialmente à época.
O comboio black da gravadora se dirigia, a partir daí, ao funk de condimento bem carioca, capitaneado pela banda União Black ("União Black", 77) e por Gerson King Combo. Voltam, enfim, os dois LPs de Gerson, "Gerson King Combo" (77) e "Volume 2" (78), expoentes de uma fusão casadoura entre o kitsch e o convite ao balanço dos pequenos hits periféricos "Funk Brother Soul", "Mandamentos Black" e "Good Bye".
Antes de mudar de onda, a Philips ainda aderiria à disco music, lançando dois LPs da breve diva pop Lady Zu ("A Noite Vai Chegar", 78, e "Fêmea Brasileira", 79).
Ignorada pela cultura oficial, ela sacudia pistas em 77/78 com "A Noite Vai Chegar" e "Só Você (Por Você, Sem Você)". No segundo disco avisava que, sim, estava interessada em MPB (dividia "Boneca de Piche", de Ary Barroso, com Luis Vagner) e na mais pesada black music. Vem daí o manifesto "Hora de União", cantado com Totó; "é a vez do samba-soul", proclamava a dupla suingada, num manifesto pela fusão.
Sem ser completa, a coleção "Samba & Soul" conta uma história compacta, pode-se perceber -e isso também é novo no atual momento da indústria musical.
Um adendo fica por conta do capixaba Sérgio Sampaio, em "Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua..." (73). Próximo de Raul Seixas, ele tinha pouco de samba, nada de soul. Mas quem há reclamar da reedição, perdida aqui no meio, de um dos hinos mais populares da resistência ao regime militar (a faixa-título) e de sua música marginal e antipopulista?
O fantasma de Sérgio, morto precocemente e no esquecimento, ronda a coleção para demonstrar que o pop era (e é) uma hidra de incontáveis cabeças. Não é mesmo, senhoras gravadoras?
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Samba & Soul
    
Lançamento: Universal Quanto: R$ 20, em média, cada CD




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