|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"OS RETRATOS DE OSCAR WILDE"
Obra une Dorian Gray a amor de Shakespeare
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
A editora Nova Alexandria
teve a feliz idéia de reunir
num só volume duas narrativas
centrais da obra do escritor irlandês Oscar Wilde (1854-1900): "O
Retrato de Dorian Gray" e "O Retrato do Sr. W.H.".
Além da coincidência da palavra "retrato" no título (algo que só
ocorre em português, já que no
original um deles fala em "picture" e o outro, em "portrait"), os
dois textos têm em comum o tema da máscara, da tensão entre a
degradação da carne e a pureza do
espírito, ou entre a fugacidade da
vida e a perenidade da arte.
As semelhanças param por aí.
Enquanto "Dorian Gray" é a obra
mais célebre e celebrada de Wilde,
"O Sr. W.H." é um texto relegado
a um injusto segundo plano. Na
edição brasileira anterior do texto, por exemplo, ele vinha "escondido" no volume "Contos" de Oscar Wilde, publicado pela Nova
Fronteira, com tradução de Barbara Heliodora.
A edição da Nova Alexandria
vem, portanto, resgatá-lo do virtual esquecimento.
Sobre "O Retrato de Dorian
Gray" muito já se falou. Romance
gótico moderno sobre o homem
que tem sua beleza e juventude
preservadas enquanto seu retrato
envelhece e se cobre de cicatrizes
por conta de sua vida devassa, é
uma versão decadentista do mito
de Fausto. Foi adaptado inúmeras
vezes para o teatro, o cinema e a
televisão.
"O Sr. W.H.", por sua vez, é um
dos textos mais modernos de Wilde, tanto pela mistura de gêneros
(ensaio, ficção, memórias) como
pela intertextualidade e pela metalinguagem.
Foi publicado pela primeira vez
em 1889, na "Blackwood Edinburgh Magazine", e ampliado
posteriormente pelo autor, que,
entretanto, não chegou a publicar
em vida a nova versão. Dada como perdida, esta só foi recuperada em 1973 e incorporada a suas
obras completas.
Controvérsia
Trata-se de um conto longo em
que, dito resumidamente, o narrador (o próprio Wilde) investiga
e explicita uma nova teoria sobre
a identidade dos personagens
presentes nos "Sonetos" de William Shakespeare, sobretudo do
misterioso "W.H.", a quem os
poemas são dedicados.
A questão é controversa até hoje. Os sonetos cantam amorosamente a beleza de um jovem e
manifestam perturbação diante
da sensualidade de uma mulher
morena ("dark lady" no original).
Quem seriam essas figuras?
À época de Oscar Wilde, uns
acreditavam que W.H. fosse William Herbert, conde de Pembroke; outros, que se tratasse de
Henry Wriothesley, conde de
Southampton e protetor de Shakespeare. Quanto à "dark lady",
seria a sra. Mary Fitton (uma mulher casada), segundo a crença
predominante.
O que Wilde faz em "O Retrato
do Sr. W.H." é lançar uma nova
teoria: o mancebo homenageado
pelos sonetos seria um jovem ator
da companhia de Shakespeare; a
dama morena, uma mulher voluptuosa e vulgar que o teria seduzido e com a qual o próprio poeta
teria se envolvido para livrar de
suas garras o amado.
Claro que Wilde usou o contexto elisabetano para fustigar indiretamente o moralismo da época
vitoriana em que ele próprio vivia, aproveitando o ensejo para
fazer uma defesa da relação homossexual platônica como uma
forma espiritualmente elevada de
amor. De quebra, expôs suas
idéias sobre arte e representação.
Para isso, mobilizou erudição e
fantasia em doses generosas. Ao
mesmo tempo que realiza uma
brilhante (ainda que falha) exegese dos sonetos, o conto constrói
todo o drama humano que estaria
por trás dos poemas de Shakespeare, dando vida a personagens e
ambientes da Inglaterra do final
do século 16 e início do 17.
Não fosse por certa afetação da
linguagem e pela tendência à prolixidade, "W.H." poderia ser comparado aos vertiginosos contos-ensaios que Jorge Luis Borges escreveria meio século depois, em
torno de obras literárias.
Em suma, um texto que, talvez
mais até do que o magnífico "O
Retrato de Dorian Gray", provoca
ainda hoje inquietação e prazer. O
que mais se pode querer de um
texto de ficção?
Os Retratos de Oscar Wilde (O
Retrato do Sr. W.H. e O Retrato
de Dorian Gray)
Autor: Oscar Wilde
Tradutor: Aníbal Fernandes
Editora: Nova Alexandria
Quanto: R$ 35 (279 págs.)
Texto Anterior: Mônica Bergamo Próximo Texto: O Anti-Saramago Índice
|