São Paulo, quarta-feira, 03 de agosto de 2005

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Com "Toró", a artista plástica Lia Chaia discute a relação entre o orgânico e o concreto da cidade

Natureza quase humana

Rogério Cassimiro/Folha Imagem
Lia Chaia em meio à sua instalação "Toró", em exposição no Centro Cultural São Paulo; obra é composta por gotas de concreto


FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Chove dentro do Centro Cultural São Paulo, mas não por problemas no telhado. Aliás, nem sequer se molha quem passa perto das goteiras, já que as gotas são de concreto, parte da instalação "Toró", da artista plástica Lia Chaia.
Numa inversão da força da natureza, que em dias de chuva transforma as ruas da cidade em pequenos rios, lagos e, às vezes, até mesmo cascatas, "Toró" transforma em orgânico aquilo que é construção civil, buscando naturalizar o que é artificial.
Esse debate entre natureza e civilização é constante nas obras de Chaia, uma das artistas mais destacadas da nova geração, que, aos 26 anos, já participou de mostras na Alemanha, França e Estados Unidos e acaba de ganhar a bolsa Iberê Camargo, para trabalhar por três meses na Sala de Arte Pública Siqueiros, na Cidade do México. Esta, aliás, não é sua primeira experiência de residência artística no exterior já que, em 2003, passou seis meses na Cité des Arts, em Paris, com bolsa da Faap, onde estudou. A artista Verônica Cordeira também recebeu a bolsa Iberê para trabalhar no Art Institute of Chicago.
"Toró" faz parte da 1ª Mostra do Programa de Exposições 2005 do Centro Cultural São Paulo (CCSP), aberta hoje, que, além de Chaia apresenta outros seis selecionados. Na exposição, a jovem artista apresenta também o vídeo "Comendo Paisagem", onde ela própria aparece mastigando, literalmente, fotografias de cenas urbanas e da mata atlântica, outra maneira de discutir a relação entre cultura e natureza.
"Meu trabalho parte da observação do que existe ao meu redor. Sou fascinada pelo excesso do concreto na cidade, assim como pela necessidade do verde", diz Chaia, durante a montagem de "Toró", anteontem. A instalação, com as gotas coladas em paredes e vidros, desfaz-se no chão em pequenas poças, também de concreto, algumas com pequenas fotos de prédios próximos ao CCSP.
Com isso, não há uma visão nostálgica da artista em relação à natureza, nem tampouco uma crítica à caótica situação urbana, mas a construção de uma identidade, que vai além da própria artista: "Eu não estou me lamentando por viver na cidade, gosto dela, eu até a como", fala sorrindo, ao se referir ao vídeo "Comendo Paisagem". Mas "Toró" carrega certa ironia, já que as gotas também se parecem com lágrimas, num choro urbano embalado pelo ruidoso trânsito da avenida 23 de Maio, atrás da instalação.
Entretanto, bom humor, característica rara na produção nacional, é marca de Chaia. "Folíngua", de 2003, apresentava uma série de fotos da artista com uma folha na língua, ao passo que em "The Power of Baguette", realizado a partir da residência em Paris e exibido no CCSP, no início do ano, ela aparece com o típico pão francês em várias posições nada convencionais. "Acho que esse caráter lúdico em meu trabalho é uma forma suave de falar do que me interessa. Eu sou do tipo que fala e não do que grita", conta.
Chaia aparece nessas duas obras citadas, assim como ela está presente em muitos de seus trabalhos, o que leva à questão: por que estar sempre em seus trabalhos? "Eu acredito que o corpo é uma forma de perceber o entorno, que afinal é uma questão que persigo, mas tento não ser biográfica ao me expor", explica.
Em seu universo, o uso da fantasia é estratégia para escapar de literalismos. "Gosto de trabalhar com seres fantasmagóricos. Em "Comendo a Paisagem" eu apareço gigante, o que também é uma remissão às mitologias dos índios que comem a Lua e as estrelas, assim como as próprias gotas de "Toró" são gigantes e não realistas", diz Chaia.
Para o México, a artista leva na bagagem o projeto "Jardim ao Cubo", que tem a ver com a própria configuração do local, antigo jardim do muralista David Alfaro Siqueiros (1896 1974). Num período marcado pela globalização, o que representa a perda de identidades locais, não deixa de ser um bom exemplo uma produção que busca olhar para o local onde ela se realiza.

1ª Mostra do Programa de Exposições 2005 do CCSP
Onde:
Centro Cultural São Paulo (r. Vergueiro, 1.000, SP, tel. 0/xx/11/3277-3611)
Quando: abertura hoje, às 19h. De ter. a sex., das 10h às 20h; sáb., das 10h às 18h; dom., das 10h às 16h. Até 4/9
Quanto: entrada franca


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