São Paulo, terça-feira, 03 de agosto de 2010

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CRÍTICA TEATRO

Leilah Assumpção ganha antologia valiosa

Livro reúne 11 peças escritas durante quatro décadas pela dramaturga paulista e permite acompanhar evolução


A LEITURA REVELA COMO A AUTORA SE DEIXA CONTAMINAR POR QUESTÕES QUE ASSOLAM O PAÍS


CHRISTIANE RIERA
CRÍTICA DA FOLHA

Organizada em cronologia, "Onze Peças de Leilah Assumpção" é uma valiosa antologia de peças da autora brasileira contemporânea.
Parte de "Vejo um Vulto na Janela, me Acudam que Eu Sou Donzela" (1964) e termina com "Ilustríssimo Filho da Mãe" (2008).
Desta maneira, inevitável não acompanharmos o percurso da dramaturga aliado ao contexto histórico em que foram escritas. Na primeira, à iminência do regime ditatorial, um pensionato abriga mulheres de diferentes idades, filiações políticas e visões de mundo.
Trata-se de um panorama da situação feminina em período de ebulição à beira de grandes transformações. Na última, com dramaturgia mais domesticada, o foco em relações pessoais parece ter esvaziado o fervor de seu teatro do início. O percurso da leitura, ao atravessar décadas, revela como a autora se deixa contaminar pelas questões que assolam o país.
No trânsito fluido entre política e feminismo, duas belas peças sobressaem. Em "Fala Baixo, Senão Eu Grito" (1969), a ingênua Mariazinha é sufocada por laços e rendas, fruto da ideologia opressora de seus tempos.
Em seu quarto, o embate com um inesperado assaltante resulta em texto lírico de surpreendente desembaraço teatral. Trancados ali, fantasiam a vida lá fora no auge dos anos de chumbo.
Nada atravanca os devaneios dos possíveis amantes neste manifesto libertário. "Kuka, o Segredo da Alma de Ouro" é um "Ubu Rei" brasileiro, tamanha soltura criativa. Na terra fictícia de Kamaiorá, a protagonista Malfadada é cruelmente perseguida por não estar grávida do rei Fernandez.
Teatro do absurdo com forte viés satírico, ora ou outra se desmancha em cenas que transbordam clima mais simbolista. Ambas traduzem, em linguagem teatral pura, um sistema opressor hegemônico sob uma ótica feminina.
A partir dos anos 80, "Boca Molhada de Paixão Calada" e "Lua Nua" são exemplos da mudança em sua dramaturgia, agora mais calcada em relações amorosas e tingidas de saudosismo por contracultura e militância política. A mulher emancipada ascende com novos problemas.
Carmelinda Guimarães abre a antologia com um texto humano, porém sucinto, numa coletânea que merecia um estudo crítico mais extenso. Somente então esta publicação se igualaria à singularidade de Leilah Assumpção na cena teatral brasileira.


ONZE PEÇAS DE LEILAH ASSUMPÇÃO

AUTORA Leilah Assumpção
ORGANIZAÇÃO Carmelinda Guimarães
EDITORA Casa da Palavra
QUANTO R$ 49 (608 págs.)
AVALIAÇÃO bom


JOSÉ SIMÃO
O colunista está em férias




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