São Paulo, sábado, 03 de setembro de 2005

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ROMANCE/"UM AMOR ANARQUISTA"

Drama anarquista começa em casa

MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL

A Colônia Cecília foi a primeira e mais importante experiência comunitária fundada por imigrantes anarquistas italianos no Brasil, em 1890. Ideologicamente superada antes de sua fundação, economicamente desastrosa, ela também simbolizou uma experiência libertária, um mito romântico que provocou a imaginação de vários autores. O mais recente a beber nessa fonte foi o jornalista e escritor Miguel Sanches Neto, que está lançando o romance "Um Amor Anarquista".
O livro cria a história da vida privada dos seus personagens --não há registros extensos da intimidade na colônia. Mostra o dia-a-dia de privações e a idéia do amor livre transformada em melancólico infortúnio pessoal.
"As próprias famílias dos descendentes silenciaram porque acharam que a história dos parentes era vergonhosa", diz Sanches Neto, que também é autor de "Herdando uma Biblioteca" (Record, 2004) e do livro de contos "Hóspede Secreto" (Record, 2003).
Desde 1994 o autor alimentava o projeto do romance. Usou como base para o trabalho ensaios que traduziu do fundador da colônia -o anarquista italiano Giovanni Rossi (1856-1943). "Fui colocando carne nesse esqueleto", afirma. "Da prostituta [Maria Malacarne] existem comentários de jornalistas e descendentes. Outras personagens foram criadas a partir de dados que não são historicamente comprovados, mas existiam comentários", diz.
Sanches Neto não construiu o romance pensando em crítica, mas quis apontar as contradições de uma história que considera "bonita". De início, os anarquistas foram bem recebidos pela sociedade local e a colônia teve no auge cerca de 250 moradores. Mas a cultura provinciana acabou se chocando com a experiência. "Muitos ficaram marcados. Anibal [um dos personagens] virou sinônimo de corno na região. Descendentes dos pioneiros silenciaram porque acharam que a história era vergonhosa. Hoje estão valorizando a origem", diz.
A experiência foi efêmera. Em 1893, Rossi retirou-se da Colônia, que se manteve, no entanto, por mais um ano. Foi trabalhar como agrônomo e veterinário no Rio Grande do Sul. Mais tarde, transferiu-se para Santa Catarina, onde colaborou na criação das primeiras cooperativas agrícolas. Em 1906 regressou definitivamente à Itália, onde morreu em 1943.
Há um livro que registra com riqueza o episódio: "O Anarquismo Experimental de Giovanni Rossi", de Candido de Mello Neto (ed. da UEPG, 1996). A história também foi abordada em filme de Jean-Louis Comolli, "La Cecilia" (1975), uma produção franco-italiana. Também teve uma minissérie exibida pela TV Bandeirantes em 1989, "Colônia Cecília", dirigida por Hugo Barreto, com Paulo Betti e Gabriela Duarte. E a história também é superficialmente abordada por uma ilustre descendente dos colonos da Cecília: Zélia Gattai, que se inspirou nos avós para escrever "Anarquistas, Graças a Deus" (ed. Record, 1979).


Um Amor Anarquista
Autor: Miguel Sanches Neto
Editora: Record
Quanto: R$ 29,90 (256 págs.)


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