São Paulo, sexta-feira, 03 de setembro de 2010

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CRÍTICA DOCUMENTÁRIO

Longa retrata Nápoles bela e impenetrável

Diretor Abel Ferrara parte de depoimentos de presos e moradores para evocar sentidos da metrópole italiana


CENAS DE DOR SÃO INTERCALADAS COM IMAGENS SACRAS. NÁPOLES É A IMAGEM DE UM MUNDO QUE DEUS PARECE TER DEIXADO À PRÓPRIA SORTE E, SE É IMPENETRÁVEL, O É COMO SEUS DESÍGNIOS


INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

O título ressoa como eco: "Napoli... Napoli... Napoli...". O que poderia ser evocação romântica mostra-se, no entanto, afirmação do vácuo em que se jogou Abel Ferrara, o diretor deste filme.
E, a cada passo que avança, parece mais claro que Nápoles é, efetivamente, uma "realidade impenetrável", como alguém comenta. Não por acaso, é entre prisioneiros que o filme se abre. A pergunta "que delito cometeu?" parece recobrir outra: "Quem é você?". Ou, de maneira mais completa, a questão que poderia lançar é: "Quem é você em Nápoles?". Já que, na perspectiva do filme, o destino pessoal dos habitantes e o da cidade são quase uma coisa só.
No entanto, este não é um filme de paisagens. Fala-se da beleza de Nápoles. Mostra-se um cortiço. Mas na maior parte do tempo estamos em interiores, onde personagens fora e dentro da lei demonstram perplexidade com a realidade em que lhes é dado viver.
"Estamos em um dos melhores bairros da cidade", afirma um jornalista. E o que isso significa? "Que somos menos roubados e os vizinhos não estão envolvidos com a Camorra."

FIO DE ARIADNE
A Camorra pode ser o fio de Ariadne capaz de situar o espectador no labirinto urbanístico napolitano, tal como traçado por Ferrara. Mas nem tudo ela pode explicar.
A Camorra representa o crime organizado, os ganhos com tráfico de drogas, as disputas entre gangues. Pior: é o grande empregador dos pobres. E o que não falta na cidade são pobres. Por isso alguém a descreve como um vulcão sempre em atividade, onde a tensão é contínua.
A construção do filme é sutil, passando quase inadvertidamente dos presidiários aos grandes conjuntos residenciais, daí às instituições que tentam articular cultura e bem-estar social. Cada um levanta aspectos constrangedores da grande metrópole. Cada um revela e é parte dessa impenetrabilidade.
De imediato, no entanto, Ferrara nos leva a duas conclusões. A primeira diz respeito à organização: uma cidade que nada produz (é o que diz o filme) está condenada a produzir bandidagem em quantidades industriais. A segunda é bem de acordo com o pensamento ferrariano e se manifesta na cena em que uma prostituta mantém uma relação sexual dolorosa, talvez forçada. As cenas de dor são intercaladas com imagens sacras.
Nápoles é a imagem de um mundo que Deus parece ter deixado à própria sorte e, se é impenetrável, o é como Seus desígnios. (Aviso: este é um belo documentário, com momentos de docudrama, mas não um filme para grandes plateias. Quem quiser evocar a velha, bela e boa Itália esqueça.)


NAPOLI... NAPOLI... NAPOLI...

DIREÇÃO Abel Ferrara
PRODUÇÃO Itália, 2009
COM Luigi Maria Burruano, Peppe Lanzetta, Shanyn Leigh
ONDE nos cines Livraria Cultura e Sabesp
CLASSIFICAÇÃO 16 anos
AVALIAÇÃO bom




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