São Paulo, sábado, 03 de setembro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

CRÍTICA ROMANCE

Extraído de "Minas do Ouro"

"Minas do Ouro" é empreitada de respeitável envergadura

OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Contar a história de Minas Gerais da perspectiva de uma saga familiar, como faz Frei Betto, é uma empreitada de respeitável envergadura.
Como ambição literária, a prosa de "Minas do Ouro" tem parentesco com a poesia de "Romanceiro da Inconfidência", de Cecília Meireles.
Ambos usam a liberdade ficcional para construir um amplo painel histórico e resgatar a dimensão humana de personagens simplificados pelo filtro das sínteses.
A história visita dez gerações da família Arienim e tem como fio condutor a herança sucessiva de um pedaço de mapa com a localização incompleta de um tesouro.
Embora não se trate de um livro de mistério, o autor mantém o suspense sobre o destino do documento.
O desfecho, que liga temas tão distantes quanto um diamante presenteado à atriz Elizabeth Taylor e um massacre de índios em Rondônia, é surpreendente.
Os Arienim interagem com protagonistas históricos, e é mérito do autor se tais encontros parecem naturais ou se o didatismo inescapável não incomoda.
Frei Betto ratifica versões estabelecidas sobre heróis nacionais. Fernão Dias, por exemplo, devora um cacique capturado.
"Comi-o ao molho de salsa e cebolinha", afirma o bandeirante. "O sabor da carne, levemente adocicado, agradou-me o paladar e superou meus preconceitos ao canibalismo." mitologia Quanto a Aleijadinho, o autor, ancorado em bibliografia recente, trata com ceticismo sua mitologia, lançando mão de um recurso eficiente: as informações biográficas são contestadas por uma Arienim que trabalha com o autor do livro responsável pelas fantasias sobre o mestre do barroco.
"Minas do Ouro" não é isento de problemas. Numa tentativa de captar a alma mineira, Frei Betto recicla "reflexões de rótulo de cachaça", como ele mesmo havia dito em outro texto.
Além disso, algumas brincadeiras não funcionam, como afirmar que o rei dom Sebastião, ao morrer, "saiu da história para entrar no mito", uma paráfrase extemporânea da carta-testamento de Getúlio Vargas.
O livro também ganharia fluência com a contenção no uso de um léxico que por vezes remete ao universo do escritor mineiro Guimarães Rosa, sobretudo os adjetivos e substantivos transformados em verbo, como "pejorativar" ou "recadar".
Mais grave é a opção estilística de tentar emular a sintaxe dos períodos em que transcorre a ação.
Vai-se do barroco ao coloquial, sem que a estrutura da obra justifique tal variação, uma vez que há apenas um narrador: um jovem jornalista, o último Arienim, que escreve em meados do século passado.
Nada, no entanto, diminui o poder narrativo de Frei Betto, que, com seu melhor trabalho desde "Batismo de Sangue", evita as armadilhas do romance histórico.

OSCAR PILAGALLO, jornalista, é autor de "A História do Brasil no Século 20" (Publifolha).

MINAS DO OURO
AUTOR Frei Betto
EDITORA Rocco
QUANTO R$ 29,50 (272 págs.)
AVALIAÇÃO bom




Texto Anterior: Trecho
Próximo Texto: Ficção/Não ficção
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.