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"Criminalizar internautas é um erro"
Lawrence Lessig, criador do Creative Commons, defende meio-termo entre extremistas dos direitos autorais e piratas
Em São Paulo para ministrar
palestra, professor fala à
Folha sobre liberdade na
internet, eleições nos EUA e
alfabetização por imagens
MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DA REPORTAGEM LOCAL
Na batalha pelo futuro dos
direitos autorais, monopolizada pelos extremistas -de um
lado, as indústrias da música e
do cinema, que a tudo proíbe e a
todos processa; de outro, os piratas, que tratam tudo como
produto grátis- o professor
Lawrence Lessig fica no meio.
"Não estou com os abolicionistas do direito autoral, mas
também não concordo com a
criminalização de toda uma geração de internautas", diz Lessig, ex-professor de direito na
Universidade de Chicago (onde
ficou amigo de Barack Obama,
então professor-adjunto), hoje
ensinando em Stanford.
Lessig é a figura mais respeitada e conhecida na questão de
direitos autorais, graças à sua
criação, o Creative Commons
(CC), que é um meio-termo na
questão do copyright: ele permite aos criadores de uma obra
intelectual qualquer compartilhar sua criação com mais liberdade -por exemplo, licenciando a obra para uso gratuito, desde que sem fins lucrativos.
Lessig esteve em São Paulo
anteontem para uma palestra
intitulada "A Cultura do Remix" -tema de seu próximo livro, que sai no fim deste mês-,
no evento Digital Age 2.0, onde
conversou com a Folha.
FOLHA - O senhor disse em sua palestra que a atual geração não fala
mais com palavras. Por quê?
LAWRENCE LESSIG - Nos séculos
19 e 20, ser alfabetizado significava aprender a escrever, unir
palavras para expressar idéias.
O que vemos neste século é que
as palavras são só uma forma de
alfabetização e que há outras
formas mais atraentes para os
nossos filhos, como as imagens.
FOLHA - Os críticos dizem que isso
leva a um "emburrecimento".
LESSIG - Não acho que seja verdade. A explosão do acesso [à
informação] permite às pessoas terem mais conhecimento. Em 1970, se quisesse saber o
histórico dos vice-presidentes
dos EUA, teria que ir a uma biblioteca, e apenas uma em cada
10 mil pessoas fazia isso. Hoje,
quando alguém quer saber algo,
o acesso é instantâneo, mais e
mais pessoas têm aprendido.
De resto, mesmo se fosse verdade, e daí? Não vivemos num
mundo totalitário onde podemos parar essa forma de cultura e forçar a volta apenas à leitura de livros. Precisamos
aprender a viver com isso.
FOLHA - A liberdade da internet
costuma ser vista como algo inerente ao sistema. O sr. concorda?
LESSIG - A liberdade da rede é
produto de sua arquitetura, de
seu código, e esse código pode
ser mudado para que as liberdades sejam retiradas. E é do
interesse das empresas e dos
governos mudar esse design
para restringir a liberdade. Por
isso, organizações como a FSF
(Free Software Foundation),
de que já participei, são essenciais para pensar estratégias
para evitar essas mudanças.
FOLHA - Como o sr. vê o futuro do
Creative Commons?
LESSIG - Meu sonho é que o CC
esteja morto em seis anos, que
não seja mais necessário porque a legislação de direitos autorais se tornou racional. Mas,
enquanto for irracional, mais
artistas e criadores devem começar a usar as licenças do CC
para ter seus trabalhos livres.
Não significa que todos vão
usar, não espero que a Madonna passe a usar o CC tão cedo,
mas antes de convencê-la vamos convencer gente suficiente de que o mundo não está dividido entre dois modelos extremistas, Hollywood numa
ponta e os piratas na outra. A
maioria dos criadores está no
meio, espera alguma proteção.
FOLHA - Como o sr. vê iniciativas
paralelas ao CC, como as do Radiohead e de Paulo Coelho, que colocaram suas obras de graça na rede?
LESSIG - É importante que tenhamos muitas experiências,
mas acho ruim quando esses
criadores fazem algo que parece que apóia a liberdade, mas
que, quando vemos os detalhes,
não funciona assim. O Radiohead é um bom exemplo: lançou concurso para que os fãs
criassem remixes das músicas.
Mas, quando você lê a licença,
descobre que a [gravadora]
Warner fica com todos os direitos sobre os remixes criados.
FOLHA - O sr. tem um bom número
de antagonistas. Há algo das críticas
com que concorde?
LESSIG - Já aprendi muito com
críticos meus, como Jack Valenti, chefe da Motion Picture
Association [a associação dos
estúdios de cinema], uma das
pessoas a quem dediquei meu
último livro, "Remix". Nós tivemos ao menos cinco conversas,
e havia um tema que lhe era caro: as conseqüências que haveria para a geração de garotos
que está crescendo levando a
vida fora da lei [no que tange
aos direitos autorais]. Achava
isso bobagem, mas percebi que
estava certo, e meu livro começa dizendo isso, que o grande
problema é a criminalização
dessa geração. É claro que discordamos quanto à solução: ele
defende uma guerra mais eficiente contra nossas crianças, e
eu espero que encontremos um
sistema em que elas não sejam
consideradas piratas.
FOLHA - Que mudanças podemos
esperar nessa área, com o próximo
presidente dos EUA?
LESSIG - Os EUA têm tantos
problemas maiores que não
acho que o próximo presidente
vá ter tempo para tratar de direitos autorais. Dito isso, e sendo um apoiador de Obama,
acho que, se ele vencer, vai levar para o governo uma geração
de pessoas sensíveis ao tema.
FOLHA - O sr. seria uma delas?
LESSIG - Não acho que me ofereceriam um cargo e, como
acho que eu não ajudaria, também não aceitaria.
FOLHA - O foco nos direitos autorais não deixa para trás um tema
mais importante, o da democratização do acesso à rede?
LESSIG - Concordo que essa é
uma crítica justa. Mas o que levaria a uma democratização
mais rápida da web? No Brasil,
há um movimento significativo
nessa direção, o projeto Pontos
de Cultura, que foi lançado
quando [Gilberto] Gil era ministro [da Cultura]. Mas o que
as pessoas vão fazer quando se
conectarem? Vão querer compartilhar, expandir essa cultura
do remix, que está no cerne da
cultura tradicional brasileira,
para a era digital. O melhor que
podemos fazer, então, é criar
um ambiente favorável a esse
tipo de cultura na internet.
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