São Paulo, sábado, 03 de outubro de 2009

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LIVROS

Crítica/"Violetas e Pavões"

Dalton Trevisan maravilha e horroriza em contos inéditos

Tipos do escritor se tornam menos freaks e mais "ordinários", nos dois sentidos

ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um novo livro de Dalton Trevisan, mesmo pequeno, não é pouco. Ainda atuando no terreno estreito da estilização do cafajeste à moda antiga, há sempre um novo veio de perversão a exibir, como num museu de cera, que maravilha e horroriza ao mesmo tempo. As faces dos monstros, entretanto, são cada vez mais de gente comum.
Nisto talvez resida uma mudança na produção recente de Trevisan. Os seus tipos, aos poucos, se tornam menos freaks, mais ordinários, embora venha a calhar aí o duplo sentido do termo "ordinário": o que é corrente, partilhado por todos, mas também o que é reles, rebaixado, repulsivo até. Em "Violetas e Pavões", a galeria de personagens se distribui por 22 textos mais ou menos curtos, os quais, por sua vez, se deixam dividir em três categorias bem definidas: cartas, depoimentos e casos. As cartas são de amor; os depoimentos e casos são policiais.
Em todos há o flagrante de ilícito, seja penal, seja erótico. As narrativas de casos são as mais numerosas -metade dos textos. Trata-se de glosas de lugares comuns do cotidiano das classes média e baixa às voltas com a marginalidade. Como num inventário ilustrativo, são relatadas histórias de assassinato do drogado da família; ameaça de morte pelo tráfico; estupro pelo vendedor; assalto a ônibus; falsidade ideológica; mulher incendiada pelo marido; roubo no dia do pagamento; incesto; voz de prisão por uso de droga.
Só dois casos não dizem respeito à criminalidade, mas ao tormento de mães exploradas pelos filhos. A rigor, os casos são menos eventos que "ocorrências", tópicos de um livro de registros policiais. O segundo tipo de texto acomoda certo procedimento experimental da prosa de Trevisan, que desconstrói as frases, por vezes decepando-as ao mínimo significativo.
Nada há tão radical, mas são empregadas frases curtas sem pontuação, cada uma delas a ocupar um parágrafo, como série de enunciados declaratórios. O efeito de depoimento de suspeito em interrogatório é imediato. Ressalta o aspecto equívoco de tudo o que é dito, de modo que tanto pode ser como se diz quanto o contrário, por malandragem ou denegação.
A verdade "não adianta", sempre escorregadia na cascata da frase. Nem para o acusado, que não prova sua inocência; nem para o leitor, sem jeito de conter alusões contraditórias.

Cartas
As cartas são o melhor do livro; todas escritas por mulheres ao "morzinho", "caríssimo Senhor meu", "neguinho meu". Magoam-se de que eles não saibam se aproveitar do pasto de delícias que o seu corpo gostava de lhes servir; anseiam para que se livrem do vício da "perífrase" em torno da "gentil palavrinha porca".
A fantasia de vocabulário cru e chulo vale para entender o livro todo. Ao reduzir a presença dos vampiros anômalos da província diante da expansão dos tipos banais de qualquer grande cidade, "Violetas e Pavões" apresenta, como disse ao início, uma variante na estilização de Trevisan. A saber: o seu parnasianismo irônico vai perdendo o gosto do retrô em favor do pornô ("meigamente dedilho o cuzinho em flor").


VIOLETAS E PAVÕES

Autor: Dalton Trevisan
Editora: Record
Quanto: R$ 32,90 (128 págs.; chega às livrarias na próxima sexta-feira, dia 9)
Avaliação: ótimo




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