São Paulo, domingo, 03 de outubro de 2010

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

O filósofo da larica

Paulo Tiefenthaler, apresentador cult do Canal Brasil, estuda levar seu programa para a TV aberta e se prepara para lançar um livro de receitas

Débora 70
Paulo Tiefenthaler, de Batman, em gravação do "Larica Total"

"O nome do personagem é Paulo Oliveira, porque ele é 50% eu, 50% uma criação coletiva." Quem diz isso é Paulo Tiefenthaler, o homem por trás e pela frente do cozinheiro caótico e apresentador do "Larica Total", do Canal Brasil. O programa mostra ele, um solteirão de 42 anos, se aventurando na cozinha. Fantasiado de Batman ou até de roupão, se vira em torno de receitas como o "yakisobra", macarrão feito com o que tem na geladeira no momento. Virou fenômeno na internet, com vídeos no YouTube, perfis e comunidades nos sites Orkut e Facebook e 12 mil seguidores na rede de microblog Twitter.

 

"O Canal Brasil não está no pacote mais barato da TV a cabo, pouca gente tem acesso. Mas o programa foi colocado na internet ao mesmo tempo, e de lá vem a maior audiência", explica. "Outro dia, estava em uma festa e recebi uma faca de presente de um casal, que decidiu me entregar em plena pista de dança", diz ele à repórter Teté Ribeiro, enquanto pede uma cerveja.

 

Ganhou também um azeite de um italiano que vê o programa na Itália e mandou por amigos em comum. Um fã inglês o reconheceu em Londres no ano passado e deu a ele um livro de receitas do chef inglês Jamie Oliver. "No Carnaval, um cara se vestiu como se fosse eu. Saiu nos blocos com a minha cara recortada de uma revista e chapéu de cozinheiro."

 

Ele adotou a faca em sua cozinha, na cobertura de um predinho de três andares em Santa Teresa, no Rio de Janeiro, onde mora há três anos e meio e que virou cenário do programa. "A gente esconde meu micro-ondas, moderno demais. O resto é idêntico, sou eu na minha cozinha", conta o apresentador, que não se maquia para gravar e muito raramente opta por fazer a barba.

 

Tenta abaixar o cabelo, mais ralo no topo, sempre que pode, preocupação que mostra durante a sessão de fotos. Contra o vento da praia de Copacabana, usa a água do mar para remediar a situação. "Minha mãe fala a mesma coisa quando me vê, desde que eu era criança: "Menino, penteia esse cabelo"."

 

Preocupa-se com a postura nas fotos. "E olheiras, tenho tendência, às vezes me acho com cara de cansado no programa". Ah, e reparou, se assistindo, que tem mania de ajeitar a camisa com a mão direita, como se revelasse um naco de barriga. "Agora vigio para não repetir o gesto."

 

A segunda temporada do "Larica Total" acabou de sair do ar. A terceira começa a ser gravada em 2011 e está sendo disputada pelo Canal Brasil e por um canal aberto, "que ainda não podemos revelar". O DVD com os 24 episódios da primeira temporada será lançado no fim do ano. Mas já está tudo disponível no site da atração. Paulo prepara o lançamento do livro "Receitas da Galera", junto com a equipe do programa, só com sugestões de pratos enviados pelos fãs. Sai em novembro pela editora LeYa/Barba Negra.

 

Filho de um suíço com uma brasileira descendente de alemães e portugueses, ele nasceu em Chur, na Suíça, durante férias da família, em junho de 1968. Voltou ao Rio com dez dias de vida. "Passei a infância e a adolescência aqui no Posto 6, em Copacabana. Meu pai me acordava às cinco da manhã para ver as arraias nas redes dos pescadores", lembra.

 

O pai é a pessoa que ele mais cita. "Ele era louco por circos e musicais da Broadway." Levou o filho adolescente em 1981 para Nova York no Natal para ver as tradicionais "Rockettes", do Radio City Music Hall, entre outros espetáculos. "Meu favorito é "Dancin", do Bob Fosse. Chovia no palco, era maravilhoso." Não gostou de "A Chorus Line". "Mas me diverti com "O Quebra Nozes"."

 

Nunca aprendeu a cozinhar. "Minha mãe é ótima cozinheira, mas não deixava os filhos chegarem perto." Foi escolhido como apresentador do "Larica" em um teste em que o carisma contava mais. "Mas meu macarrão com salsicha não tava nada ruim." Começou a adquirir prática e prazer em preparar a comida. "Um bom cozinheiro tem que pesquisar sabores, texturas, ingredientes. E ser criativo. E saber respirar", filosofa. "Respirar na cozinha é fundamental."

 

No programa, os momentos de filosofia são salpicados aqui e ali. Ele fala alto, quase grita quando precisa sublinhar um pensamento. "Culinária tem que ser ensinada na escola", afirma e bate na mesa. "As pessoas comem da hora em que nascem ao dia em que morrem, como podem não saber fazer comida?", indaga, olhos arregalados e um cigarro que segura entre os dedos por quase uma hora antes de acender.

 

Teoriza sobre o nome do programa: "Larica quer dizer muita fome em português de Portugal", diz, baixando o tom de voz e o queixo, olhando de baixo para cima, deixando os cabelos ainda mais desgrenhados. Já gostou muito de fumar maconha, hoje em dia só de quando em vez, em casa, sozinho. Nunca antes de gravar o programa. "Minha larica preferida é musse de chocolate, não tem nada melhor." Segue a entregação: "Gosto mesmo é de beber. Adoro vinho, uísque, cerveja. Essa sim é minha droga." E pede a segunda.

 

"É Carnaval, saia de casa, um abraço!", em que ensina uma receita de caipirinha e uma de Bloody Mary vestido de mulher, enquanto uma bandinha faz a trilha ao vivo, é um dos episódios mais acessados. Esse e o do sushi de feijoada, receita que acha brilhante. "É um temaki, cones enrolados em alga. Mas, em vez de alga, a couve sustenta o arroz. No lugar de peixe, pepino ou manga, coloco feijão, laranja e farofa."

 

Antes de virar ídolo cult, foi ator de teatro, fez pontas em novelas da Globo, integrou a equipe de edição do "Big Brother Brasil", foi cinegrafista, assistente de direção e roteirista na TV Manchete e na GloboNews. Sua maior vontade é emplacar como cineasta. "Estudo e faço curtas desde os 25 anos. Sou autodidata."

 

Tem um curta-documentário chamado "Jorjão", de 2005, sobre o mestre de bateria que já passou pela Mocidade Independente, Viradouro e Imperatriz Leopoldinense. "Peguei uma câmera pequenininha, escondi na fantasia de Carnaval e atravessei a avenida filmando o cara. Acabou virando o filme." Ganhou dois prêmios e rodou os festivais de Cuba, Portugal, Uruguai, EUA, Alemanha, Suíça e Áustria.

 

Seu próximo projeto é um longa, "A História do Samba no Brasil". Também dirigiu e escreveu o roteiro de um curta exibido no Canal Brasil, projeto do cineasta Samir Abujamra, que convidou cinco personalidades para dirigir episódios que se passam na madrugada carioca. "Na minha história, com final surrealista, um cara e uma menina ficam e resolvem dar um teco. Sobem o morro atrás de cocaína e os traficantes acham que ele é polícia. É uma comédia, o título é "A Peruca de Aquiles"."

 

O curta foi ao ar pela primeira vez no dia 31 de agosto e será reprisado várias vezes até o final do ano, sempre à meia-noite. O cozinheiro assistiu à estreia com alguns amigos, em casa, no DVD. "Não tenho Canal Brasil, o que eu ganho como apresentador do programa não dá para assinar o pacote que não seja o básico da TV a cabo", diz, enquanto sinaliza para o garçom trazer mais uma cerveja.

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