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CINEMA
Romance de Machado de Assis será transformado em longa-metragem pelo diretor de "Capitalismo Selvagem"
Klotzel filma 'Brás Cubas' pós-tropicalista
Eduardo Knapp/Folha Imagem
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O cineasta André Klotzel, que recentemente finalizou o roteiro de ''Memórias Póstumas''
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JOSÉ GERALDO COUTO
especial para a Folha
"Um 'Brás Cubas' pós-tropicalista." Assim o cineasta André
Klotzel, 43, define seu próximo e
ambicioso projeto, a transformação em longa-metragem do romance "Memórias Póstumas de
Brás Cubas".
O diretor de "A Marvada Carne"
e "Capitalismo Selvagem" já está
com o roteiro pronto para ser filmado, com o título provisório de
"Memórias Póstumas" (leia trecho nesta página).
O filme foi orçado em R$ 4 milhões e deverá ser rodado no Rio e
em Portugal. "É mais barato filmar lá que no Brasil", afirma o cineasta.
O elenco ainda não está definido,
porque, segundo Klotzel, depende
da escolha do ator que vai encarnar o personagem principal.
"Quero experimentar com vários
atores antes de escolher, pois o
Brás vai determinar o tom de todo
o filme."
Folha - De onde veio a idéia de
adaptar "Memórias Póstumas"?
André Klotzel - Veio da releitura do romance. Eu tinha lido Machado de Assis na adolescência.
Quando reli "Brás Cubas", bateu
uma empatia imediata.
Comecei a achar o livro pré-modernista. Até hoje ele nunca se encaixou em nenhuma classificação,
mas comecei a encará-lo como
pré-antropofágico.
Ele pega Laurence Stern, Xavier
de Maistre, citados na própria introdução da obra, e reutiliza isso
de outra maneira, quase antropofágica.
Por outro lado, "Brás Cubas" e
"Macunaíma" têm uma coisa em
comum: os dois livros são histórias
de vida de heróis sem nenhum caráter. Levando em conta essas afinidades, estou querendo fazer um
filme pós-tropicalista.
Folha - Como vai ser narrado o
filme?
Klotzel - O Brás Cubas vai aparecer como fantasma contando
sua história. Quando estava escrevendo o roteiro, percebi que,
quando o Machado publicou o livro pela primeira vez, em 1880, o
Brás Cubas já tinha morrido havia
11 anos. Então, o romance já é um
romance de época.
Eu transpus isso mais radicalmente. O fantasma ainda está presente aqui, no final do século 20,
contando a história dele, que se
passou de 1805 a 1869. O fantasma
está vagando por aí e resolveu contar sua história no cinema, tal como a havia contado em livro depois de morto.
Folha - "Memórias Póstumas" será um filme bem mais caro que os
seus anteriores.
Klotzel - Sim, porque é um filme de época, que tem fantasias no
meio, como o delírio em que um
hipopótamo fala.
"Memórias Póstumas" acompanha a vida de Brás Cubas do nascimento até a morte, passando por
várias locações, exigindo construção de cenários. É uma coisa trabalhosa, demorada em termos de filmagem.
Folha - Sua idéia é fazer uma reconstituição de época realista ou
estilizada?
Klotzel - Um pouco estilizada,
mas objetiva, límpida, transparente. Machado de Assis não é um autor muito descritivo. A descrição
dele é mais psicológica que física.
Acho que o filme vai obedecer essa
abordagem do Machado.
Você tem um pano de fundo inevitável, que é a própria época, mas
não é um filme que valoriza o seu
pano de fundo. Não estou preocupado em mostrar a suntuosidade
de algumas coisas, o foco não é esse. O filme está olhando para o personagem.
Folha - A narração vai ser fragmentada e metalinguística como a
do livro?
Klotzel - A toda hora, o fantasma do Brás vai falar diretamente
com o público, como no livro. Vai
comentar, o tempo todo, tudo o
que está acontecendo. A narração,
nesse sentido, é bem fiel ao livro.
A fragmentação, na realidade, é a
fragmentação do próprio personagem. Ele é um sujeito volúvel, que
a toda hora está mudando de opinião, abordando as coisas de maneira diferente, se contradizendo.
Essa maneira de narrar, aparentemente descontínua, é bastante
moderna. É um discurso fragmentário, porém uno.
Folha - Como você diferenciaria a
sua versão da que foi filmada por
Julio Bressane ("Brás Cubas",
1985)?
"Acho que
Bressane usou o
livro como
suporte para
outra coisa"
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Klotzel - A versão do Bressane é
bastante interessante, mas acho
que ele usou o livro como um suporte para outra coisa. O narrador
é muito mais Bressane do que
qualquer outra coisa.
Na minha versão, vou procurar
fazer com que o narrador seja o
Brás Cubas mesmo. A leitura do
Bressane é muito pessoal.
Vou tentar uma adaptação literária de outro tipo, que respeita os
parâmetros do romance, em que
este não seja um mero suporte.
Folha - E o "Quincas Borba", do
Roberto Santos?
Klotzel - Acho o romance
"Quincas Borba" mais difícil de
adaptar para o cinema que o "Brás
Cubas", porque depende mais do
diálogo, ao passo que "Brás Cubas" tem um pouco mais de ação,
tem delírios, etc.
O Roberto Santos buscou uma
solução corajosa, que foi manter
no filme essa tendência à verbalização, e ainda por cima fez uma
transposição de época. Foi isso
que dificultou a comunicação do
filme com o espectador.
Folha - O que "Memórias Póstumas" tem a dizer hoje?
Klotzel - Muita coisa. Há uma
contradição entre o discurso filosófico moderno apresentado por
Brás Cubas e a sociedade escravocrata de que ele participa como
classe privilegiada.
Um discurso progressista e uma
prática social atrasada. "Uma extrema elegância com uma descompostura elementar", como diz
o crítico literário Roberto
Schwartz.
O que há de mais atual do que
isso? É o politicamente correto em
contraste com o comportamento
antiético. São elementos formadores da sociedade brasileira, que estão no "Brás Cubas" e estão aí hoje em dia.
Folha - Como você está vendo os
novos filmes que têm sido feitos
no país?
Klotzel - Eles apresentam uma
diversidade muito saudável, temática e estética.
Eu gosto principalmente de "Os
Matadores". Talvez seja o mais
brasileiro dos filmes que foram
feitos, sem precisar enfatizar isso.
Acho que é talvez a forma mais
acabada de cinema, entre os filmes
de estreantes.
Mas há outros que são instigantes, que trazem ao público propostas interessantes, como "Baile
Perfumado" e "Um Céu de Estrelas".
Para mim, o cinema ideal seria
como é a música popular brasileira, um "CPB", "Cinema Popular
Brasileiro", uma coisa integrada,
em que você não tem que dissociar
o lado comercial do lado criativo e
cultural.
Não é preciso ser burro para ser
popular, nem é preciso ser hermético para ser inteligente.
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