São Paulo, quarta-feira, 03 de novembro de 2004

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28ª MOSTRA

Diretor português vem ao Brasil exibir seu mais recente longa, "O Quinto Império", sobre o mito do rei Sebastião

Manoel de Oliveira faz jornada histórica

CLAUDIO SZYNKIER
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Manoel de Oliveira é, por excelência, um cineasta da história. Em conversa com a Folha, suas palavras a respeito de seu novo filme, "O Quinto Império - Ontem como Hoje", possuem curioso sabor de aula de história.
O longa é uma jornada através das paredes e interiores do castelo do rei Sebastião. Oliveira atualiza o mito de Sebastião em atmosfera "histórica" forte, via jogo de luzes, sombras e decoração. Porém seus temas estão relacionados ao hoje.
 

SEBASTIÃO - CRISTO
Sebastião desapareceu, ficando como o "encoberto", pois não se sabia se ele havia desaparecido, fugido ou morrido. O país foi abaixo, ocupado pela Espanha, e veio a crença de que ele viria em uma manhã de nevoeiro, cavalgando em um animal branco. Mas os filósofos, após muito tempo, transportaram a idéia de Sebastião para a idéia do Messias e desta, para a idéia de Cristo. Ou seja, Sebastião se configuraria em Deus, de volta à Terra. Sebastião, o "desejado", em sua volta, seria o alcance da paz e da harmonia entre os homens, algo messiânico. Um mito de um novo tempo, que veria o renascimento do amor, com o fim das guerras.

CONTRADIÇÃO?
Sebastião não tinha sede de sangue. Ele tinha um espírito implacável, pois, se os árabes durante 600 anos aceitaram Cristo, depois surgiu Maomé, que entendia que deveria haver uma religião que representasse a eles, árabes. E a formação da Europa se dá nessa cruzada contra a religião muçulmana, que para os cristãos desvirtuava sua própria crença. Além disso, Sebastião era um predestinado. Seu avô teve 14 filhos. Morreram todos, sobrou apenas o mais novo, que se casou às pressas com uma princesa. E o mais impressionante, nesse casamento de conveniência, houve amor, eles se apaixonaram! Sebastião, por todos esses fatores, foi um rei muito desejado, desde o nascimento.

CICLOS
A história sempre se repete, mas de outras formas. Este pode ser, sim, um grande tema em meus filmes. A história lá atrás fala muito sobre a história aqui na frente. O muçulmano era um inimigo e havia um esforço para banir aquela crença. Agora, passados centenas de anos, aparecem os árabes a requerer, a lutar, a se manifestar. E exatamente contra o mundo ocidental, que não tem mais aquela força de crença. Na Europa, propaga-se um certo ateísmo e os árabes conservam o vigor de sua religiosidade. Vem com a idéia da pureza de seus valores contra um mundo ocidental decadente.
É o Quinto Império, ontem como hoje. É um ciclo, um eterno retorno, no sentido histórico. Padre Antônio Vieira dizia, em uma forte época cristã: "Um só papa, um só rei". Todas as lutas foram cultivadas por questões religiosas ou pela ambição dos reis, e o Quinto Império é isso, se reedita. Está representado, por exemplo, por imagens e instituições como ONU ou na idéia da União Européia, com um só país, uma só democracia. Ou seja, o fim de "Um Filme Falado", na explosão de um cruzeiro pela ação de uma bomba colocada por algum fundamentalista, pode estar próximo de "O Quinto Império - Ontem como Hoje", no sentido histórico. As faces apenas se inverteram.


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