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LIVROS
Cantor baiano, que publica reunião de ensaios e é tema de outro lançamento, critica o governo, o referendo e Fagner
Caetano vê "inoportunidade" em Lula
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Oito anos depois de "Verdade
Tropical", o ensaísta Caetano Veloso está de volta. "O Mundo Não
É Chato" (Companhia das Letras), que chega às livrarias no fim
de semana, é uma reunião de textos produzidos pelo compositor
desde 1960 e organizada pelo poeta Eucanaã Ferraz. Também está
saindo um volume da coleção Folha Explica (R$ 16,90; 200 págs.)
dedicado a Caetano e escrito por
Guilherme Wisnik.
Nesta entrevista, ele se diz uma
caricatura de intelectual, afirma
que o governo Lula é o "campeão
da inoportunidade" e chama de
"oportunista" o cantor Fagner,
que o atacou em entrevista à revista "Veja". Ao saber da declaração, Fagner disse que não procurou a revista, não copiou a palavra
"inoportuna" de uma entrevista
de Caetano ("Ele quer ser dono do
dicionário agora?") e só deu uma
opinião sobre o referendo do desarmamento ("Então 70% do povo brasileiro é fascista?"). Mas pede desculpas a Caetano se pareceu
que queria associá-lo ao PT e vê o
assunto como encerrado. "Continuo gostando dele", diz Fagner.
Folha - Em um texto de 1972, você escreve: "Como Glauber, tornei-me uma caricatura de líder intelectual de uma geração. Nada mais.
Um ídolo para o consumo de intelectuais, jornalistas, universitários
em transe". Ainda há atualidade
nessa afirmação?
Caetano Veloso - Relendo esse
texto, eu fico um pouco envergonhado. Acho meio presunçoso.
Mas não que seja errado. Acho
que é mais caricatura do que de
fato um negócio a sério. Continuo
achando, como escrevo nesse texto, que nunca houve no Brasil
uma figura popular com tanta
pinta de intelectual.
Folha - Uma idéia central de seus
textos é a da originalidade brasileira. Você continua acreditando nela
mesmo quando, no campo da política, a nossa mais original experiência parece não estar sendo tão
original assim?
Caetano - Eu penso basicamente
da mesma maneira. A nossa obrigação de apresentar alguma coisa
relevante ao mundo é inelutável.
Porque nós somos esse país gigantesco, no hemisfério Sul, na
América, no Terceiro Mundo, falando português e altamente miscigenado racialmente. É muita
coisa junta para que você não assuma a responsabilidade de exercer essa originalidade.
O fato de o governo Lula ser
mais ou menos decepcionante
não é tão relevante para essa questão. E não era desde antes. Votei
em Lula, mas não tenho grandes
decepções. O meu candidato era
Ciro Gomes, que pirou do meio
para o fim da campanha e praticamente me pediu para não votar
nele, por causa de coisas que fez e
disse. Mas eu gostava dele, a
quem conhecia desde que fora
prefeito de Fortaleza e por causa
do livro que assinou com Roberto
Mangabeira Unger. Mangabeira é
um pensador tão responsável que
acho que o Brasil não pode se dar
ao luxo de ignorar.
Folha - Você se decepcionou com
a entrada dele no partido da Igreja
Universal [Partido Republicano
Brasileiro]?
Caetano -
Nem me surpreendeu. Ele
escreveu um livro que se chama "Política",
em que, ao estudar de uma
maneira pragmática que
contribuição
podem os grupos religiosos
trazer para a
solução dos
problemas brasileiros, ele destaca as igrejas
evangélicas como o que há de
melhor nessa
questão, acima
dos grupos da
Teologia da Libertação.
Como eu tenho confiança
nele, até segunda ordem, não
acho que entraria em um partido que fosse da Igreja Universal.
Não é por ser contra ou a favor
das igrejas evangélicas. O que eu
acharia inaceitável era que ele,
pensando o que pensa, integrasse
um partido que pertence a uma
igreja. Isso é incongruente com a
idéia de democracia que ele defende. Seria de uma contradição
inaceitável. Estou esperando o desenrolar dos acontecimentos.
Folha - Em um texto do show "Circuladô", usado na abertura do livro
da coleção Folha Explica, você falava sobre o conservadorismo que está no ser do Brasil. A vitória do
"Não" no referendo sobre armas de
fogo é uma demonstração disso?
Caetano - Eu próprio quase votei
"Não". Anulei. Acho
que essa vitória do
"Não" é uma resposta à falta de senso de
oportunidade deste
governo, que é o
campeão da inoportunidade. Se o Lula
fosse Lula, o [José]
Dirceu tinha que ter
saído [do ministério]
no caso Waldomiro
Diniz [em 2004]. É
tudo fora do tempo,
meio malfeito. O referendo não devia estar no Estatuto do
Desarmamento, porque ele é contraditório com o próprio estatuto. O povo foi sábio, intuiu isso.
Mas o resultado eu
acho negativo, porque deu uma impressão de que ter armas
é um direito. Ou seja,
deu lugar a essa gente
fascistóide botar a
ideologia deles. O
brasileiro não é o americano. Pára
de imitar americano! São os pretos, os veados, todo mundo imitando americano, que diabo é isso? Ah, o direito de andar armado
para se defender... Mas os brasileiros vivem armados para se defender? Não vejo isso. A questão
não estava posta, ganhou uma
propaganda que não merecia.
Sou desarmamentista em todos
os níveis. Mas não sou burro.
Houve burrice. É um momento
em que o governo não está podendo fazer campanha de nada,
porque ninguém está acreditando
neles. Eles estão sob suspeita, em
uma grande crise. Deviam fazer o
que um governo
deve saber fazer:
driblar o negócio,
passar para
adiante, para o
próximo governante, que eu espero que seja outro. Espero isso
desde o início e
disse isso em público.
Folha - Mas como você viu colegas seus da envergadura de Chico
Buarque e Fernanda Montenegro
participando da
campanha do
"Sim"?
Caetano - Entendi perfeitamente. Eu quase
que faria algo assim, se fosse possível, oportuno e
razoável. Mas não
me pareceu. Eles
estavam atraídos
a fazer aquilo
porque têm a melhor das intenções. É mais triste
ver colegas meus como Fagner
festejando com os fascistas, em
tom fascista. Isso é tétrico. Denota
uma certa burrice na tentativa de
ser oportunista para tentar se notabilizar.
Nos anos 70, o Fagner falou que
eu não tinha capacidade criadora
e, por isso, estava impedindo que
ele e outros colegas novos aparecessem. E eu ainda não tinha lançado "Sampa", "Terra" e tantas
outras. E ele, o que é? Vai para a
revista ["Veja"] dizer que eu estava fazendo uma campanha em
que eu não estava. E disse que era
uma campanha inoportuna, usou
uma palavra roubada da minha entrevista [ao jornal
"O Globo"].
Folha - No release
do CD "A Foreign
Sound", você diz:
"Gravei-o agora
porque posso fazer
qualquer coisa".
Você pode parar tudo, por exemplo, e
fazer um filme?
Caetano - Quando eu falei aquilo,
estava um pouco
desmerecendo o
projeto. Os americanos da [gravadora] Nonesuch, os
brasileiros da Universal, o pessoal
deste escritório
[Natasha] ficavam
em cima de mim
para eu fazer "A
Foreign Sound".
Fiz com todo o
amor, mas não
achava aquilo relevante. Fiz como
quem pode fazer
qualquer coisa.
Posso parar e fazer um filme?
Posso. Mas é preciso saber se eu
sinto que vale a pena, pois significa parar uma porção de coisas para muita gente. E estou com tanta
vontade de fazer canções, me vieram tantas idéias, que agora tenho que organizar meu tempo
para fazer essas coisas que passam na minha cabeça.
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