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Crítica/"Oswald de Andrade - Biografia"
Obra revela "vira-lata do modernismo"
Maria Augusta Fonseca desfaz mal-entendidos da vida do escritor, irreverente incontido, em biografia agora reeditada
NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
"Está mais próximo
do homem natural
quem come caviar
com gosto do que quem se abstém do álcool por princípio."
"Sofro como Dostoievski e arrisco como Nietzsche." "Sou
um vira-latas do modernismo."
"A burguesia é um ninho de
muares satisfeitos."
Não é difícil identificar de
quem podem ser essas frases
mordentes e simultaneamente
melancólicas. Todas elas são
extraídas da recente reedição
da biografia de Oswald de Andrade, feita minuciosa e inventivamente por Maria Augusta
Fonseca. Infelizmente, entretanto, não há como negar que
tanto o autor como uma de suas
grandes criações, a antropofagia, são ainda bastante incompreendidos. E o livro de Maria
Augusta ajuda a desfazer muitos mal-entendidos.
Oswald é ainda tido, por muitos, como um "blagueur" incontrolável, irreverente, impiedoso, alguém que perdia o amigo, mas não perdia a piada. Por
outros, ele é interpretado como
a contraposição de Mario de
Andrade, este sim um modernista conseqüente e auto-questionador. Nada disso é verdade.
As questões entre Oswald e
Mario são muito mais de ordem pessoal do que ideológica,
e Antonio Candido, tido como
defensor inveterado de Mario
de Andrade, foi um dos maiores
amigos e incentivadores de Oswald, além de padrinho de seu
último filho.
Perfil
Nada é tão simples quanto
parece. O irreverente incontido
era um nacionalista desmedido, eternamente preocupado
com os destinos do Brasil e dos
brasileiros, descobridor das
vanguardas européias para o
Brasil, comunista frustrado,
anarquista de hábitos caseiros.
"A gente escreve o que ouve
-nunca o que houve!", mais
uma das frases geniais de Oswald, é uma síntese de seu pensamento literário e político: a
fala do povo é muito mais importante do que os fatos que a
história teima em reunir, categorizar e chamar de verdadeiros. Mas a verdade está nos
processos que a compõem dinamicamente, e essa é umas
das melhores compreensões da
idéia de antropofagia.
A idéia de que precisamos
nos ouvir como povo para podermos existir como povo e como nação; de que precisamos
redescobrir nossas particularidades, incluindo aí nossos fracassos, para podermos ser
aquilo que já somos: o matriarcado de Pindorama. Não o índio natural, como dizia Oswald,
mas o índio tecnizado, indo ao
cinema e namorando as "girls".
Não a moral fácil de abster-se
do álcool, ou seja, do prazer, como diz a primeira citação desta
resenha, mas a devoração difícil de apropriar-se das possibilidades de outros prazeres, como comer o biscoito fino que
ele fabricou.
A idéia de posse contra a
idéia de propriedade; a idéia de
vincular-se à terra mãe, mais
do que vincular-se ao céu pai; a
transformação do permanente
tabu religioso e moralista no totem das possibilidades.
Essa foi a tentativa arrebatadora de Oswald de Andrade,
que custou sua vida, conforme
atesta Pedro Nava, seu médico
particular: "Um minotauro que
se recusava a aceitar a doença".
Um minotauro que se recusava
a tanta coisa, que se encontrava
no fundo de um labirinto e que,
felizmente, mas com menos
freqüência do que gostaríamos,
abriu as portas de muitos outros labirintos para nós.
OSWALD DE ANDRADE -
BIOGRAFIA
Autora: Maria Augusta Fonseca
Editora: Globo
Quanto: R$ 33 (392 págs.)
Avaliação: ótimo
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