São Paulo, sábado, 03 de novembro de 2007

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Crítica/"Oswald de Andrade - Biografia"

Obra revela "vira-lata do modernismo"

Maria Augusta Fonseca desfaz mal-entendidos da vida do escritor, irreverente incontido, em biografia agora reeditada

NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"Está mais próximo do homem natural quem come caviar com gosto do que quem se abstém do álcool por princípio." "Sofro como Dostoievski e arrisco como Nietzsche." "Sou um vira-latas do modernismo."
"A burguesia é um ninho de muares satisfeitos."
Não é difícil identificar de quem podem ser essas frases mordentes e simultaneamente melancólicas. Todas elas são extraídas da recente reedição da biografia de Oswald de Andrade, feita minuciosa e inventivamente por Maria Augusta Fonseca. Infelizmente, entretanto, não há como negar que tanto o autor como uma de suas grandes criações, a antropofagia, são ainda bastante incompreendidos. E o livro de Maria Augusta ajuda a desfazer muitos mal-entendidos.
Oswald é ainda tido, por muitos, como um "blagueur" incontrolável, irreverente, impiedoso, alguém que perdia o amigo, mas não perdia a piada. Por outros, ele é interpretado como a contraposição de Mario de Andrade, este sim um modernista conseqüente e auto-questionador. Nada disso é verdade. As questões entre Oswald e Mario são muito mais de ordem pessoal do que ideológica, e Antonio Candido, tido como defensor inveterado de Mario de Andrade, foi um dos maiores amigos e incentivadores de Oswald, além de padrinho de seu último filho.

Perfil
Nada é tão simples quanto parece. O irreverente incontido era um nacionalista desmedido, eternamente preocupado com os destinos do Brasil e dos brasileiros, descobridor das vanguardas européias para o Brasil, comunista frustrado, anarquista de hábitos caseiros.
"A gente escreve o que ouve -nunca o que houve!", mais uma das frases geniais de Oswald, é uma síntese de seu pensamento literário e político: a fala do povo é muito mais importante do que os fatos que a história teima em reunir, categorizar e chamar de verdadeiros. Mas a verdade está nos processos que a compõem dinamicamente, e essa é umas das melhores compreensões da idéia de antropofagia.
A idéia de que precisamos nos ouvir como povo para podermos existir como povo e como nação; de que precisamos redescobrir nossas particularidades, incluindo aí nossos fracassos, para podermos ser aquilo que já somos: o matriarcado de Pindorama. Não o índio natural, como dizia Oswald, mas o índio tecnizado, indo ao cinema e namorando as "girls".
Não a moral fácil de abster-se do álcool, ou seja, do prazer, como diz a primeira citação desta resenha, mas a devoração difícil de apropriar-se das possibilidades de outros prazeres, como comer o biscoito fino que ele fabricou.
A idéia de posse contra a idéia de propriedade; a idéia de vincular-se à terra mãe, mais do que vincular-se ao céu pai; a transformação do permanente tabu religioso e moralista no totem das possibilidades.
Essa foi a tentativa arrebatadora de Oswald de Andrade, que custou sua vida, conforme atesta Pedro Nava, seu médico particular: "Um minotauro que se recusava a aceitar a doença".
Um minotauro que se recusava a tanta coisa, que se encontrava no fundo de um labirinto e que, felizmente, mas com menos freqüência do que gostaríamos, abriu as portas de muitos outros labirintos para nós.


OSWALD DE ANDRADE - BIOGRAFIA
Autora: Maria Augusta Fonseca
Editora: Globo
Quanto: R$ 33 (392 págs.)
Avaliação: ótimo



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