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PAPO DE ATRIZ
A convite da Folha , as atrizes Giulia Gam e Bete Coelho debatem a carreira e a profissão com a alemã Hanna Schygulla , musa de Fassbinder, que ganha retrospectiva na Mostra
LeticiaMoreira/Folhapress
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Giulia Gam (de branco)
e Bete Coelho (de preto)
abraçam Alicia
Bustamante e sua
companheira,Hanna
Schygulla (à dir.)
GUSTAVO FIORATTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Giulia Gam chegou de
branco. Bete Coelho, inteira
de preto. Nada que tenha sido combinado previamente.
Foi coincidência. Ou sinal de
que suas personalidades são
complementares, o que enriqueceu a conversa marcada
pela Folha com a atriz Hanna
Schygulla, homenageada da
Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Giulia é mais solta e dona
de uma gargalhada irreparável, que Bete vez ou outra repreendia com cutucões ou
com um olhar que foi ficando
inquieto com o passar dos
minutos ao lado da musa alemã dos filmes de Rainer Werner Fassbinder (1945-1982).
Mais tarde, Bete confessou: estava louca para fumar
-o que não era permitido na
pequena sala no hall do hotel
Tivoli, nos Jardins.
Desarmada pelo charme
de duas fãs mais jovens, ícones do teatro brasileiro,
Schygulla estendeu a conversa para mais de duas horas. Quebrou assim um protocolo estabelecido por ela
própria.
O bate-papo transcorreu
como em um chá das cinco.
Ou das quatro, sugeriu Bete,
já que a atriz cubana Alicia
Bustamante, companheira
da atriz alemã, se juntou ao
trio.
Foi tempo suficiente para
Giulia concluir que, apesar
das diferenças (de idade e de
nacionalidade), atrizes se deparam frequentemente com
as mesmas questões.
O encanto de um diretor
"obsessivo" -Gerald Thomas foi citado em comparação a Fassbinder- pode ser
perigoso. E o risco do tédio
com a própria profissão é
sempre tão iminente quanto
para médicos ou advogados.
Hanna conta que recusou,
por exemplo, a proposta de
David Lynch para trabalhar
em "Veludo Azul" (1986).
"Eu não poderia e nem tinha
vontade. Não poderia me
permitir o luxo de me entregar a uma coisa se eu tinha
outras necessidades", diz.
Para ela, a arte se nutre do
ser humano que é capaz de
dedicar-se a outras atividades também. "Especialmente
ao amor em todas as suas formas", completa.
A paixão move todas elas e
dosifica ajustes ou também
alguns desajustes que alimentam a profissão.
"É possível tirar muitas
coisas de um ator, e colocá-lo
fora de equilíbrio pode ser
uma coisa que vale a pena",
revela Schygulla sobre suas
experiências ao lado de Fassbinder, um autor que compôs obra singular com todas
as suas reflexões sobre a alma da mulher.
A tensão no set de filmagem pode ter determinado,
por exemplo, a densidade de
uma obra como "As Lágrimas Amargas de Petra von
Kant" (1972), rodado em apenas duas semanas, segundo
Schygulla.
"Mas, quando há exageros
desse comportamento, o melhor é parar", pondera.
Foi o que ela fez após sua
atuação no filme "Effi Briest"
(1974), quando brigou com
seu mestre e diretor.
Schygulla só voltou a reencontrar Fassbinder em 1978,
quando atuou em "O Casamento de Maria Braun"
(1979). O trabalho lhe rendeu
um prêmio de melhor atuação no Festival de Berlim.
MOSTRA
A passagem da atriz por
São Paulo, a convite da Mostra Internacional de Cinema,
acompanha uma seleção de
filmes antigos de sua carreira. No entanto, Schygulla rejeita a palavra "retrospectiva". Prefere o termo "prospecção", principalmente por
conta da exibição de trabalhos mais recentes.
É o caso de "Alicia Bustamante" (2009), que tem exibição marcada para hoje, às
19h, na Faap. O documentário foi feito a partir de filmagens íntimas que retratam a
vida em Paris de sua companheira cubana, a atriz Alicia.
"Ela é muito criativa. Não
só no trabalho. Tudo se converte em comédia quando ela
fala. Queria que o público conhecesse isso", conta
Schygulla, que comprou
uma câmera sem compromisso. "Filmava quando ela
estava ali do lado."
Elas se conheceram em
Cuba, nas filmagem de "Me
Alugo para Sonhar", série
para a televisão produzida
no início dos anos 1990, com
direção e roteiro do moçambicano Ruy Guerra. Há quase
20 anos as duas vivem na capital francesa.
CUBA
Como Schygulla foi parar
em Cuba? Essa é uma história
à parte. Um ano antes, conheceu o escritor colombiano Gabriel García Márquez
num café em Paris. Foi ele
quem indicou o papel a ela:
uma mulher estrangeira que
interpretava sonhos.
Nas últimas décadas, a
atriz deixou seu posto de musa da Alemanha para alçar
voos em terras estrangeiras.
Paralelamente aos trabalhos
de atuação, dedicou-se ao
canto. Fez interpretações antológicas de Brecht e Kurt
Weill ao redor do mundo. Em
São Paulo, inclusive, em
2002, quando cantou ao lado
de Maria Bethânia, em espetáculo dirigido por Bia Lessa.
Agora, por trás das câmeras, Schygulla se diz mais inclinada a dedicar-se a uma
linguagem documental.
"A representação da vida
pode me entediar também.
Hoje, eu vejo coisas muito interessantes nas histórias que
as pessoas me contam. A vida real se tornou mais interessante", revelou a atriz,
diante dos olhares atentos de
Giulia e de Bete.
Em um dos momentos
mais emocionantes da conversa, Hanna retomou imagens de sua infância para referir-se a um sentimento de
"pertencer ao mundo". Ela
nasceu em 1943 em uma região próxima da fronteira entre Polônia e Alemanha e
suas primeiras memórias de
infância são relacionadas à
Segunda Guerra.
"A convivência com refugiados determinou muita
coisa em mim", diz. "Havia
sempre a consciência de que
sou como os outros, mas de
que também sou outra em relação aos meus pares."
Esse sentimento lhe permitiu interessar-se profundamente por tudo o que seja do
outro. A observação permite
mergulhos profundos. "Com
muita curiosidade e sem nenhum medo", ela encerra.
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