São Paulo, sábado, 03 de dezembro de 2005

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LITERATURA

Em entrevista, o norte-americano Chuck Palahniuk ("Clube da Luta') comenta o humor e a tragédia de suas criações

"Meus personagens querem se divertir"

Cannarsa Basso/Grazia Neri/Brainpix
O escritor americano Chuck Palahniuk


THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL

Pouco a pouco, Chuck Palahniuk vem ganhando alguns rounds na sua briga pelas livrarias brasileiras. Desta vez, é "No Sufoco" que ganha edição no país, o quarto livro do escritor norte-americano de "Clube da Luta".
"No Sufoco" foi publicado nos EUA em 2001. De lá para cá, Palahniuk, 43, dos mais prolíficos autores de sua geração, já assina outras cinco obras. Por aqui, já chegaram, além do famoso "Clube...", "Sobrevivente" (1999) e "Cantiga de Ninar" (2002).
"No Sufoco" contém todos os ingredientes que fizeram a fama de Palahniuk: a escrita seca, de parágrafos e capítulos curtos, com personagens desajustados à procura de redenção. É, também, um dos últimos livros antes de o autor trocar as críticas anticonsumistas e as observações de comportamentos estranhos aos padrões pelo horror e pelo choque (vide o recente "Haunted", cujo conto "Guts", sobre masturbação e escatologia, já causou desmaios em mais de 60 pessoas ao ser lido em público pelo autor nos EUA).
Neste "No Sufoco", o anti-herói é Victor Mancini, um ex-estudante de medicina que freqüenta reuniões de viciados em sexo -onde consegue relações fáceis. Outro "hábito" do personagem é fingir que está engasgando com a comida em restaurantes caros, quando é ajudado por outros comensais e conta uma história triste de como sustenta a mãe em um asilo. Com a estratégia, causa comoção e recebe até dinheiro. De sua casa, no Estado de Washington, Palahniuk falou por e-mail sobre personagens, fãs e... Harry Potter.
 

Folha - Seu estilo é descrito como minimalista, com parágrafos e capítulos curtos, numa linguagem crua. Teve alguma grande influência? O sr. lê muito?
Chuck Palahniuk -
Leio muito pouca ficção. Meu tempo é muito valioso para ser gasto lendo histórias vagas, com palavras em excesso em que pouco ou nada acontece. Muitas vezes, um personagem pára para pensar, refletir e não toma nenhuma atitude. Em meus romances, cada cena funciona como um roteiro que leva a história adiante. Alguns de meus personagens até são caras-de-pau e estúpidos, mas pelo menos eles fazem algo, e suas intenções são sempre nobres. Essa é a função de um personagem fictício: cometer erros audaciosos ou ridículos que iluminam e entretêm o leitor.

Folha - "No Sufoco" e outros de seus primeiros livros possuem personagens deslocados, dispostos a mudar a ordem das coisas. Já os últimos livros têm histórias de horror com humor incisivo. O sr. mudou ou é o mundo que está mudando?
Palahniuk -
As pessoas não mudam a não ser que você apresente a elas uma alternativa que seja melhor aos seus anseios. Meus personagens não estão lutando contra uma sociedade ou uma cultura mais do que eles lutam contra eles próprios. São personagens que buscam algum método para se tornarem mais espertos, fortes e corajosos. Eles vão em direção ao trágico porque sabem que destruirão um "eu" existente e dar lugar à criação de um novo e melhor "eu". Além disso, meus personagens querem se divertir. É isso o que todos nós buscamos.

Folha - O sr. considera a literatura um meio melhor do que o cinema ou a música para expressar alguns tipos de pensamento?
Palahniuk -
Sim. Os livros são um meio já muito antigo para se contar uma história. Do cinema à música e aos videogames, tudo evoluiu de forma a contar suas histórias de maneira mais urgente, mas os livros... Os livros raramente valem o tempo e o esforço que despendemos para consumi-los, mas, como têm uma audiência mais liberal, a ficção consegue descrever situações com muito mais risco. Além disso, livros custam tão pouco para serem produzidos... Então uma das vantagens da literatura é que ela pode tratar dos mais ofensivos e desafiadores temas imaginados pelo escritor. Pessoas sempre me contam histórias chocantes, trágicas e engraçadas, mas apenas os livros enfrentam o risco de documentar esses eventos reais e incríveis.

Folha - "No Sufoco" tem um personagem que não precisa, mas freqüenta um grupo de apoio. Também possui vozes que se assemelham às de "Clube da Luta". O sr. vê relação entre os dois livros?
Palahniuk -
Todos os meus livros tratam de pessoas solitárias que praticamente suplicam pela companhia de outras. Cada um dos meus personagens isolou a si mesmo; eles se escondem dentro de suas casas lindas ou de suas amáveis faces, dentro de seus amáveis trabalhos ou das mentiras que contam. E esses personagens destroem as condições que permitiram que eles se escondessem num primeiro momento. Em "Clube da Luta", o narrador destrói sua casa e local de trabalho. Em "Invisible Monsters", a narradora retalha sua face. Em "No Sufoco", o narrador expõe as mentiras que ele diz a todos que tentam ajudá-lo. Os personagens destroem algo amável e falso na esperança de alcançar algo de valor, mesmo que tenha algumas falhas.

Folha - Daniel Radcliffe, o ator que vive Harry Potter no cinema, disse que o sr. é um de seus escritores favoritos. O sr. sabia disso?
Palahniuk -
É mesmo!?! Não fazia idéia. Diabos, acho que deveria assistir a um de seus filmes...

Folha - O sr. possui fãs ardorosos e já disse que procura responder a todos os e-mails e cartas. Consegue descrever quem são seus fãs?
Palahniuk -
Apostaria que meus leitores são pessoas que adoravam ler quando crianças, mas agora acham a maioria dos livros chatos em comparação a filmes, games e música. Quero dar a eles algo que compense todo o esforço que eles têm lendo e quero contar o tipo de história que só seria possível num livro. De novo, algo que contenha algum risco, que seja perturbador, mas também romântico e nobre. Respondo a muitos e-mails, sim. A única limitação é que eu defino um período de tempo para que me mandem mensagens. Assim posso fazer isso numa época em que não tenha muitos compromissos. Então, se você quiser me escrever e dizer "oi", veja no site www.chuck palahniuk.net quando esse período de mensagens estará aberto.

Folha - Ainda te param na rua para perguntar onde acontecem os "clubes de luta reais"?
Palahniuk -
Não, graças a Deus. Mas ainda me perguntam se podem me bater com todas as forças. A resposta é: "Diabos, não!".


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