São Paulo, domingo, 03 de dezembro de 2006

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Crítica/"Novos Olhares Vol. 1"

Poesia conduz "Acidente"

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

Heliodora, virgem da Lapa, espera feliz Jacinto: olhos d'água.
A frase acima, que reúne os nomes de cinco cidades de Minas Gerais, corresponde em forma de prosa à primeira das três partes do poema montado por "Acidente" a partir desses e de outros 15 municípios mineiros. Primeiro, o verbo: cada segmento desse ensaio poético é aberto pelo nome do lugar. Sugestivos, todos: Ferros, Vazante, Fervedouro, Pai Pedro.
O jogo inicial de associações, que deságua no poema, se alimenta do significado imediato das palavras.
Depois, vêm as imagens. Algumas, sugeridas pelas cidades: a linha do horizonte introduz Planura, um engraxate cego de Passos apela a Deus, um rodeio movimentado se dá em Tiros, azulejos rubros apresentam Águas Vermelhas.
Outras conexões são puramente visuais -cabelos que se confundem com a vegetação- ou sonoras: o amanhecer em Descoberto é uma melodia que combina a tosse de uma mulher, o cantar de um galo e a descarga de um vaso sanitário.
Não haverá esforço de legendagem capaz de traduzir a história e a dinâmica das palavras quando "Acidente" for exibido na mostra competitiva internacional de documentários do Festival Sundance (EUA), que terá início em 18 de janeiro.
Será mais fácil se deixar levar por algo de entendimento mais universal, a idéia de mineirice (e de brasilidade interiorana) de que se ocupam os diretores Cao Guimarães e Pablo Lobato: um certo tempo, um certo jeito, uma certa luz.
Artista plástico baseado em Belo Horizonte, Guimarães realiza há dez anos filmes experimentais que já haviam se inspirado em Minas e sua gente, como "A Alma do Osso" (2004), vencedor do É Tudo Verdade, e "O Andarilho" (2006), exibido na Bienal de São Paulo.
Em "Acidente", o registro é o da homenagem baseada na observação do dia-a-dia em busca do que a câmera consegue revelar para além do olhar cotidiano e apressado.
Documentário com elementos de ficção, e às vezes ficção com um ponto de partida documental. Híbrido porque contemporâneo.
Integrante do programa DOCTV, o filme é lançado agora em um pacote, batizado de "Novos Olhares", que reúne "Paraíso", de Marco Antonio Ribeiro, Fernando Uehara e Caetana Britto, sobre vestígios da memória de diversos personagens, e "As Vilas Volantes - O Verbo contra o Vento", de Alexandre Veras, sobre antigos pescadores cujas práticas já não existem.


NOVOS OLHARES VOL. 1    
Quanto: R$ 99, em média (preço unitário: R$ 39,50); vendas pelo site www.culturamarcas.com.br


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