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FERREIRA GULLAR
Idelwaxinovinalditã
Todo o esforço para esclarecer o povo não logrou superar dádivas e propaganda oficiais
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NASCIDA ENTRE palmeiras, à
beira de uma baía azul, a cidade de Idelwaxinovinalditã
vivia sob poucas leis e muito afeto, já
que a natureza era generosa e havia
comida para todos.
Sucede que, precisamente devido
a essa fartura, a população cresceu
tanto que, depois de algum tempo,
os alimentos já não bastavam. Começaram, então, os conflitos, de que
resultaram lutas e mortes. Isso teria
ocorrido há muito tempo, e assim
nasceu a idéia de criar-se um governo que administrasse as necessidades do povo de Idelwaxinovinalditã.
Mas não foi do dia para a noite. Na
verdade, foi aos poucos, com erros e
acertos, que os cidadãos de Idelwaxinovinalditã encontraram o modo
melhor de governar a cidade.
Ao que se sabe, o primeiro governo constituído foi chefiado por Nurdo, que contou com a colaboração de
um conselho formado por pessoas
influentes e respeitadas. Após alguns anos, surgiram críticas a essa
forma de governo que, diziam, favorecia uma minoria de proprietários
e comerciantes ricos. Mas o temor,
que imobilizava os cidadãos, era que
se estabelecesse a anarquia ou, pior,
que Belzu, chefe dos bandoleiros
que rondavam a cidade, tomasse o
poder. E foi o que terminou acontecendo, após a luta fratricida que afogou Idelwaxinovinalditã num banho de sangue.
O domínio de Belzu foi efêmero,
mas desastroso, porque desorganizou a economia e extinguiu as fontes
de produção, além de entregar a cidade à sanha dos inescrupulosos
que se juntaram aos bandidos. Na
verdade, Belzu não administrava:
enchia o palácio de prostitutas e ali
passava os dias e as noites a beber e
se divertir. Dizem que caiu em desgraça quando tentou obrigar que
participassem de suas bacanais as
esposas e filhas dos políticos que a
ele se aliaram. A ser verdadeira es-
sa versão -de que muitos discordam-, aqueles políticos, atingidos
em seu amor próprio, passaram a
conspirar com a adesão de alguns
chefes dos bandos, tramando a morte do tirano folgazão.
Mas, antes que a consumassem, a
população, revoltada, foi para as
ruas e, armada de cacetetes, pedras e
tochas acesas, invadiu o palácio e os
pôs para correr. Afirmava-se também que Belzu e os conspiradores
teriam sido capturados pelo povo
enfurecido e jogados nas latrinas do
palácio, onde morreram afogados
em merda. "A história", escreveu
Bondandshare, "não é feita apenas
do que aconteceu mas também do
que seria justo acontecer".
De qualquer modo, se a indignação popular não foi suficiente para
dar à cidade um bom governo, serviu
para mobilizar os cidadãos mais
conscientes, que concordaram em
que o melhor caminho era deixar
que o povo escolhesse livremente os
governantes. Essa decisão foi saudada pela população com danças e cantorias em praça pública.
O poder passou assim a ser exercido por representantes do povo, cujo
mandato tinha duração limitada para evitar o controle do Estado por
uns mesmos indivíduos ou partidos.
Não obstante, o número de pobres e
mesmo de miseráveis continuou a
crescer. A difícil solução de tais problemas envolveria mudanças profundas das leis, o que não aconteceu,
e algumas pessoas se perguntavam
por que, se os governantes eram
eleitos para isso.
Muitos estudiosos apontaram, como causa principal, o surgimento de
uma espécie de casta que ocupara a
máquina do poder e a manejava em
função de seus próprios interesses,
saqueando os cofres públicos e comprando o voto da maioria pobre,
com comida e favorecimentos.
Assim, o Executivo, o Legislativo e
o Judiciário ajudavam-se mutuamente na manutenção de seus respectivos privilégios. Tornava-se a
cada dia mais evidente que aquele
regime, ainda que apoiado no voto
popular, não era democrático. Mas
que fazer? Uma ditadura seria ainda
pior.
Contra essa manipulação da
maioria pelos demagogos, surgiu
um movimento, para o qual "quem
se mantém no poder, comprando o
voto dos pobres em vez de lhes dar
trabalho, não se interessa em acabar
com a pobreza, pois, se o fizer, perde
o poder". De qualquer maneira, todo
o esforço para esclarecer e organizar
o povo não logrou superar as dádivas
e a propaganda oficiais, que levavam
as camadas populares a idolatrar o
chefe do governo e beijar-lhe as
mãos com lágrimas nos olhos.
Pesquisadores afirmam que a situação só mudou anos depois, quando uma espécie de colapso mental
em cadeia tornou matusquelas o
grande líder popular e os corruptos
dos demais poderes, numa espécie
de surto providencial a que o povo
deu o nome de tangolomango.
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