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ANÁLISE
Artista levou o impressionismo ao estatuto dos clássicos
FELIPE CHAIMOVICH
CRÍTICO DA FOLHA
Cézanne foi o clássico entre
modernos. Mergulhou na
pintura impressionista, para dela
extrair estruturas estáveis. Seu legado frutificou em Braque, Léger,
Matisse e Picasso.
Nascido em Aix-en-Provence,
na França, em 1839, lá também
morreu em 1906. Provinha de família burguesa, cujo pai primeiro
fora chapeleiro, tornando-se depois diretor de banco. Ele esperava o mesmo para o filho Paul, fazendo-o estudar Direito, porém o
pendor do jovem para a pintura o
levou a freqüentar igualmente a
escola de desenho de Aix desde
1856.
Na orquestra da cidade natal,
tornou-se amigo de Émile Zola
(1840-1902). Ambos tocavam instrumentos de sopro e, quando
Zola se estabeleceu em Paris, convenceu aquele a ir também. Apesar da oposição do pai, consegue
dobrá-lo, mudando-se em 1861.
Na capital, Cézanne estuda na
Academia Suíça, instituição particular marginal à poderosa Escola
de Belas-Artes. As aulas de modelo vivo eram muito procuradas,
tanto pelo treino, quanto pela liberdade dos resultados dos alunos. O jovem pintor de Aix desde
cedo demonstra atração pelos
efeitos da tinta espessa. Lá produz
o retrato de um dos mais famosos
modelos da Suíça, chamado Sipião, que hoje é uma das obras-primas da coleção do Masp.
Na mesma escola estavam Pissarro e Monet, a partir dos quais
Cézanne se aproxima também de
Renoir e Degas. Naqueles anos,
começavam os experimentos
condutores ao impressionismo.
Monet e Renoir passaram a secar a tinta a óleo industrializada
antes de aplicá-la sobre a tela. Assim, as cores pinceladas não se
misturavam, devido à densidade
obtida pela redução de resina. Cézanne adota a maneira inovadora
e, em 1874, expõe no primeiro Salão dos Impressionistas, no ateliê
do fotógrafo Nadar.
Entretanto, o resultado das infinitas pinceladas de cores opacas,
formando um plano bordado de
vivos contrastes, desagradava ao
temperamento grave do pintor de
Aix. Em 1876, ele começa a se distanciar tecnicamente do grupo,
iniciando estilo próprio.
"Tratar a natureza por meio do
cilindro, da esfera e do cone" torna-se o lema de Cézanne. Numa
reviravolta insuspeita, ele passa a
buscar a estabilidade do desenho
geométrico como uma nova base
para a pintura colorista aprendida
com Monet e Renoir.
E a geometria não seria trabalhada como um desenho de fundo
visível através de infinitas velaturas, tal como se fazia tradicionalmente. Cézanne pintava na superfície, com tinta opaca, como num
primeiro plano único e contínuo.
Inventa, assim, a "passagem".
Aglutinava as pequenas pinceladas impressionistas em zonas
cromáticas claramente delimitadas. Os toques paralelos formavam um sombreado matérico, devido à densidade do óleo. A continuidade das áreas e o contraste
entre elas criavam efeitos de profundidade, mas sem o cromatismo caleidoscópico de 1874. A partir de então, surgem composições
cada vez mais planas, cujo volume
é esquematicamente indicado pelo claro-escuro das grossas "passagens".
Na virada do século, Cézanne
ganha notoriedade pela contribuição original, e os antigos colegas impressionistas também consolidam a importância deles.
A grande retrospectiva de Cézanne de 1906 marcaria profundamente a carreira de Picasso. Ele
responde em 1907 com "Senhoritas de Avignon", em que emprega
largamente a "passagem" e intensifica a independência das zonas
planas de cor, iniciando a pesquisa conducente ao cubismo.
Ao estruturar geometricamente
a pintura plana e colorida dos
marginalizados pela Escola de Belas-Artes, Cézanne conferiu-lhe a
gravidade dos clássicos, preparando a nascente vanguarda para
ocupar lugar de respeito na história da arte.
"Refazer Poussin ao ar livre",
pretendia Cézanne. "Fazer do impressionismo algo sólido e durável como a arte dos museus."
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