São Paulo, quarta-feira, 04 de janeiro de 2006

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ANÁLISE

Artista levou o impressionismo ao estatuto dos clássicos

FELIPE CHAIMOVICH
CRÍTICO DA FOLHA

Cézanne foi o clássico entre modernos. Mergulhou na pintura impressionista, para dela extrair estruturas estáveis. Seu legado frutificou em Braque, Léger, Matisse e Picasso.
Nascido em Aix-en-Provence, na França, em 1839, lá também morreu em 1906. Provinha de família burguesa, cujo pai primeiro fora chapeleiro, tornando-se depois diretor de banco. Ele esperava o mesmo para o filho Paul, fazendo-o estudar Direito, porém o pendor do jovem para a pintura o levou a freqüentar igualmente a escola de desenho de Aix desde 1856.
Na orquestra da cidade natal, tornou-se amigo de Émile Zola (1840-1902). Ambos tocavam instrumentos de sopro e, quando Zola se estabeleceu em Paris, convenceu aquele a ir também. Apesar da oposição do pai, consegue dobrá-lo, mudando-se em 1861.
Na capital, Cézanne estuda na Academia Suíça, instituição particular marginal à poderosa Escola de Belas-Artes. As aulas de modelo vivo eram muito procuradas, tanto pelo treino, quanto pela liberdade dos resultados dos alunos. O jovem pintor de Aix desde cedo demonstra atração pelos efeitos da tinta espessa. Lá produz o retrato de um dos mais famosos modelos da Suíça, chamado Sipião, que hoje é uma das obras-primas da coleção do Masp.
Na mesma escola estavam Pissarro e Monet, a partir dos quais Cézanne se aproxima também de Renoir e Degas. Naqueles anos, começavam os experimentos condutores ao impressionismo.
Monet e Renoir passaram a secar a tinta a óleo industrializada antes de aplicá-la sobre a tela. Assim, as cores pinceladas não se misturavam, devido à densidade obtida pela redução de resina. Cézanne adota a maneira inovadora e, em 1874, expõe no primeiro Salão dos Impressionistas, no ateliê do fotógrafo Nadar.
Entretanto, o resultado das infinitas pinceladas de cores opacas, formando um plano bordado de vivos contrastes, desagradava ao temperamento grave do pintor de Aix. Em 1876, ele começa a se distanciar tecnicamente do grupo, iniciando estilo próprio.
"Tratar a natureza por meio do cilindro, da esfera e do cone" torna-se o lema de Cézanne. Numa reviravolta insuspeita, ele passa a buscar a estabilidade do desenho geométrico como uma nova base para a pintura colorista aprendida com Monet e Renoir.
E a geometria não seria trabalhada como um desenho de fundo visível através de infinitas velaturas, tal como se fazia tradicionalmente. Cézanne pintava na superfície, com tinta opaca, como num primeiro plano único e contínuo.
Inventa, assim, a "passagem". Aglutinava as pequenas pinceladas impressionistas em zonas cromáticas claramente delimitadas. Os toques paralelos formavam um sombreado matérico, devido à densidade do óleo. A continuidade das áreas e o contraste entre elas criavam efeitos de profundidade, mas sem o cromatismo caleidoscópico de 1874. A partir de então, surgem composições cada vez mais planas, cujo volume é esquematicamente indicado pelo claro-escuro das grossas "passagens".
Na virada do século, Cézanne ganha notoriedade pela contribuição original, e os antigos colegas impressionistas também consolidam a importância deles.
A grande retrospectiva de Cézanne de 1906 marcaria profundamente a carreira de Picasso. Ele responde em 1907 com "Senhoritas de Avignon", em que emprega largamente a "passagem" e intensifica a independência das zonas planas de cor, iniciando a pesquisa conducente ao cubismo.
Ao estruturar geometricamente a pintura plana e colorida dos marginalizados pela Escola de Belas-Artes, Cézanne conferiu-lhe a gravidade dos clássicos, preparando a nascente vanguarda para ocupar lugar de respeito na história da arte.
"Refazer Poussin ao ar livre", pretendia Cézanne. "Fazer do impressionismo algo sólido e durável como a arte dos museus."


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