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Censura chinesa relaxa e fomenta "cinema de autor"
Ainda ativa, vigilância estatal não limita produção de nomes como Jia Zhang-ke, que reflete efervescência cultural do país
TV, internet e mercado de DVDs viram alternativa para escoamento do audiovisual; séries norte-americanas ficam fora do horário nobre
ESTHER HAMBURGER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM
PEQUIM
O espetáculo cinemático que
a China proporcionou durante
as Olimpíadas de 2008 expressa a efervescência cultural e
econômica que o país vive hoje.
Como outros intelectuais, os
cineastas procuram deixar para
trás os estereótipos que tanto
encantam o mundo ocidental.
O cinema expressa tensões
de uma época em que as distensões no Oriente revelam o desejo democrático, enquanto as
diversas crises no Ocidente estimulam a descrença nos modelos políticos liberais.
A censura continua ativa. Um
filme passa por vários tratamentos antes de ser aprovado
para exibição. Essa negociação
limita, mas não impede a criação, como no caso de Liu Jie
(leia texto ao lado).
Séries de ficção televisiva e
um respeitável circuito de venda de DVDs sinalizam resultados de uma política de estímulo
à indústria que compensa a relativa baixa no número de espectadores nas salas de cinema.
Em 1979, na esteira da abertura que seguiu o fim da Revolução Cultural (1966-1976), a
chamada "quarta geração" de
cineastas chineses (1977-1985),
viveu a chamada era de ouro do
cinema chinês, quando o número de espectadores atingiu o
pico de 293 milhões ao ano.
Cineastas como o popular
Xie Jin, morto em outubro do
ano passado, fizeram nesse período filmes de grande sucesso
de público como "Hibiscus
Town" (A cidade dos hibiscos,
de 1986), famoso por ter forçado os limites impostos pela
censura com o beijo mais longo
até então retratado na telona.
Começa aí o relaxamento
paulatino da repressão com a
exibição de imagens sugestivas
de comportamentos cada vez
mais liberais.
Paisagens exuberantes
A abertura inspirou trabalhos que buscaram retomar os
vínculos com a cultura tradicional chinesa. Diretores como
Zhang Yimou ("Herói" e "A
Maldição da Flor Dourada") e
Cheng Kaige ("Adeus, Minha
Concubina"), da "quinta geração" (1986-2001), revelaram
um olhar exuberante sobre
práticas e paisagens deslocados
da ideologia oficial.
O estúdio da tradicional cidade de Xian, a mesma que abriga
as escavações e o exército de
terracota, serviu de base a esse
movimento, que ganhou as telas dos principais festivais do
Ocidente, embora em geral não
tenha alcançado boa bilheteria
em seu próprio país.
Nos anos 80 e até o ano 2000,
com o crescimento da TV, o público de cinema diminuiu para
136,5 milhões. A entrada do cinema norte-americano nos
anos 90 acentuou a queda da
bilheteria dos filmes chineses.
Hoje, há realizadores chineses que disputam o público com
as grandes produções hollywoodianas. É o caso do jovem
Ning Hao ("Crazy Stone" e
"Mongolian Ping Pong"), que
conta com apoio de um produtor de Hong Kong em seu esforço para demonstrar que o público chinês prefere ver filmes
em sua própria língua.
O cinema de autor encontra
seu espaço no trabalho de diretores da "sexta geração", ou
"geração urbana", que possuem
suas próprias produtoras, como Jia Zhang-ke, de "24 City"
(24 cidades), sobre as transformações em curso na cidade de
Chengdu que impressionou na
última Mostra Internacional
de Cinema de São Paulo.
Wang Xiaoshuai participa
desse grupo que afirma uma
veia realista, com, entre outros
"Bicicletas de Pequim", versão
do clássico "Ladrões de Bicicleta". A diversidade contemporânea inclui ainda o monumental
documentarista Wang Bing ou
o fotógrafo-diretor Liu Jie.
Produção triplicada
A internet, a televisão e o
DVD se afirmam como alternativas que favorecem o dinamismo do setor. A produção de séries de TV aumentou de 5.625
horas em 1997 para 14.570 horas em 2007, embora somente
8.000 horas encontrem espaço
na TV. O resto fica restrito à
distribuição em DVD.
As séries chinesas vão ao ar
diariamente. E poucos se lembram das novelas brasileiras
que um dia celebrizaram atrizes como Lucélia Santos.
As realizações contemporâneas são chinesas e feitas por
produtoras privadas, que alimentam uma rede de cerca de
1.500 canais estatais. A cada dia
há cerca de 40 novos episódios
no ar. Séries estrangeiras, como
a norte-americana "Desperate
Housewives", participam desse
mercado aquecido, mas não em
horário nobre.
Na primeira década do novo
milênio, a tendência de queda
de bilheteria dos filmes chineses foi revertida para um ligeiro
crescimento. Há esforços de
coprodução e associação com
distribuidores internacionais.
Embora minoritária no faturamento ascendente da indústria cultural, a produção cinematográfica cresce e se diversifica. Há um movimento de
construção de novas salas para
tornar o cinema acessível nas
regiões do imenso território.
Em uma situação de transição, em que não há modelos
predeterminados, o "cinema de
autor" chama a atenção pela vitalidade das ideias.
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