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Águas de Milton
Com lançamento previsto para o primeiro semestre, Milton Nascime nto prepara álbum em parceria com novos músicos de Três Pontas, cidade mineira que ele mesmo colocou no mapa mundial da música
Daryan Dornelles/Folha Imagem
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O cantor Milton Nascimento na piscina de sua casa, na Barra da Tijuca, no Rio
MARCUS PRETO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Não seria um mergulho qualquer. Antes de pular na água, de
paletó, para a foto que estampa
esta reportagem, Milton Nascimento, 68, esclareceu que atenderia ao pedido impremeditado
do fotógrafo para, mais uma
vez, provar que não é "esquisito, bravo e fechado" como as
pessoas que só o conhecem de
longe costumam imaginar.
Dá para arriscar que o "estranhamento" a que ele se refere
esteja ligado, em grande parte,
exatamente à complexidade de
sua música. Cerebral e primitiva ao mesmo tempo, ainda não
foi devidamente assimilada
nem mesmo aqui no Brasil.
Por outro lado, pode-se supor que são justamente essas
características "estranhas" que
a mantêm tão viva, e imune aos
desgastes que vampirizaram
forças de outros gêneros -da
bossa nova, por exemplo.
Milton está em movimentação, sua música o leva. Grava
agora um álbum, a ser lançado
no primeiro semestre. Quem o
acompanha são jovens músicos
de Três Pontas -cidade mineira onde ele cresceu e que, por
causa dele, entrou no mapa
mundial da música.
"Quando a gente organizou a
coisa, há uns dois ou três anos,
os meninos eram todos bem
novos, não saíam de Três Pontas", diz o cantor. "Agora, todo
mundo resolveu passar em vestibular. Entraram nas faculdades e se espalharam por São
Paulo, pelo Rio. O difícil é reunir todos para gravações."
"Pietá" (2002), último álbum
de canções inéditas lançado por
Milton, tinha esse mesmo espírito. Revelou três novas cantoras: as pouco conhecidas Marina Machado e Simone Guimarães e a estreante Maria Rita.
Tumulto
Diferentemente de, podemos
chutar, todos os outros artistas
do mundo, Milton não precisa
de ambiente silencioso para
compor. Nem da meia-luz do
quarto ou do isolamento acústico do estúdio. Ao contrário.
Quanto mais bagunçado e barulhento estiver o recinto, mais
as ideias lhe vêm à cabeça.
Talvez seja esse um dos motivos por que sua casa, em um
condomínio fechado na Barra
da Tijuca, está sempre cheia de
gente. Mensalmente, Milton
convida amigos, músicos ou
não, para saraus.
Começam no meio da tarde e,
se assim permitirem os vizinhos reclamões, podem atravessar a noite e não terminar
antes do meio da madrugada.
O elenco é sempre variado.
Jorge Drexler, Lenine, Esperanza Spalding, Mart'nália,
João Suplicy, Paulinho Moska,
Maria Gadú. Todos já passaram
por aquele quintal.
"A gente chama esse sarauzinho de jam session. Quando
ainda não tinha saído de Belo
Horizonte para o mundo, eu
participava de muitos encontros assim", diz o anfitrião.
"Sempre foi muito importante
para mim esse negócio de juntar. Isso me alimenta."
Longe do Brasil, mantém ativas as relações com os colegas.
Em meados do ano passado, fez
apresentação comemorativa
no emblemático palco do Carnegie Hall, lembrando os 25
anos de sua primeira passagem
pelos Estados Unidos.
Na mesma viagem, gravou no
novo álbum da americana Esperanza Spalding e inaugurou
parceria com Paul Simon.
"Ele começou a mostrar as
músicas novas, perguntou se eu
tinha gostado", conta. "Uma
delas mexeu comigo por várias
coisas. Ele foi lá, botou ela de
novo e perguntou: "Faz uma letra em português?". Claro!"
Encontrou ainda o brasileiro
Sérgio Mendes, que está criando um arranjo para "Caxangá"
(Milton/Fernando Brant) aos
moldes do que fez para "Mas
que Nada", de Jorge Ben Jor.
Deve estar em seu próximo CD.
Terreiro
Depois do mergulho, Milton
sai da piscina e senta-se na borda. A entrevista acontece ali.
"Vou viver muito tempo", crava. "Não morro antes dos 92."
A frase sai dos lábios molhados de Coca-Cola light com o
tom incontestável de quem já
confrontou essa questão bem
de perto. Milton esbarrou com
a morte no final dos anos 1990,
quando a diabetes o fez ter menos da metade do peso atual.
Agora, cuida bem da saúde,
mantendo índices glicêmicos
sempre sob controle por meio
de medidor conectado à pele.
Mas não foi no visor do aparelhinho que descobriu o tal
prazo de 92 anos. Quem lhe soprou o número foi uma mãe de
santo, daquelas que lhe vêm
dando conselhos e dicas durante toda a carreira.
Tudo começou tempos antes
de ficar famoso, ainda na primeira metade dos anos 1960.
Milton foi ajudar uma pessoa a
entregar doces para a criançada
em dia de São Cosme e Damião.
"Recebi de uma senhora espírita a seguinte mensagem:
"Não adianta fugir, você vai ter
um centro, um terreiro seu'",
conta. "Mas eu era católico,
nem conhecia o candomblé, como poderia ter um centro?"
Chegou à conclusão depois:
"Encostei a cabeça na parede
do palco e falei: "Puxa, como é
que eu posso ser tão burro?
Meu terreiro é isso aqui!" A partir daquele dia, estar em cima
do palco virou a coisa mais importante da minha vida."
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